Pequeno fio traçado numa folha em que se rascunhou tantos futuros. Frágil contra uma borracha, capaz de transformar tudo num borrão. Destino tão incerto como o curso de uma estrela cadente. Parece certo seu percurso unidirecional. Seria lindo se nenhum planeta entrasse em órbita naquele momento.
E nossa estrela cruzou pelo céu. Fizemos um pedido. Em seis meses, minhas mãos, vestidas de um azul escuro formal segurariam as suas em um vestido tão branco que jamais pude imaginar. Dia tão aguardando, com tantos olhos a nos acompanhar, um vinho, um bolo, um violino e flores pra tudo que é lugar.
Seu sorriso seria a última coisa que eu teria antes de selarmos nossas vidas com um beijo, suave, alegre, apaixonado. Seu perfume se encontraria com o meu e se faria presente por toda a eternidade. Eu teria o prazer de ver você e mais três outras pequenas criaturas feitas à semelhança de um casal feito sob medida ao outro.
Mas aquela estrela nunca chegou ao seu destino final e nosso pedido nunca foi ouvido. Estou segurando sua mão, mas não no contexto em que havia lhe prometido. Vejo as mesmas flores espalhadas, os mesmos olhares ali no recinto, mas não bolo nem vinho. Seus olhos estão fechados, não há perfumes, nem seus lábios estão sorrindo. Meu rosto está banhado por lágrimas. Onde tudo isso foi escrito?
Eu poderia viver por um milhão de ano e por um milhão de anos eu seguirei te amando. Sei que algo não nos queria juntos, mas, que raios, pela primeira vez, eu não queria seguir essa regra tão idiota. Queria eu borrar com uma borracha bem grande o que o lápis do destino escreveu por cima de nosso borrão.
Não, não era pra ter sido assim. Não houve um fim para nossa história, não foi esse final que pedi. Reescrevam essa história, anunciem outra temporada, eu quero, eu preciso, eu desejo você de volta para mim. Que seja aqui ou em outro plano, nossa história não termina assim.
Oh, Anjo! Leia minha mente lotada de preces. Eu preciso de você, pois me sinto tão pesado. Esta correnteza me leva tão depressa e o fôlego parece tão distante de meu alcance.
Olho pra cima em direção a um céu claro, porém turvo. As pálpebras pesam e minha cabeça se descontrola. Parece que estou levemente mais quebrado que ontem ou serão as dores de minhas costas arranhadas? Não há como me livrar disso.
A vida é uma bebida, mas o amor é uma droga. Ele nos joga em mundo perfeito e relaxante. Nossas defesas se abaixam e nos entregamos. E nos deitamos. Sentindo a calma de um tapete de veludo, em que podemos nos esfregar como se fosse a melhor sensação do mundo. E o amor nos deixa ali, por um breve instante.
Oh, Anjo! Você já me levantou outras vezes, mas estou novamente nadando contra essa correnteza em vão. O amor me jogou de novo e eu não estou gostando disso. Mesmo acostumado, essa droga em demasia não é meu desejo. Faça-o parar antes que me leve daqui. Quero dizer adeus a esse vício, que me consome e bebe um pouco por dia de minha alegria, rasgando-me aos poucos até meu gélido descarte. E depois procura sua próxima vítima – quando esta não sou eu novamente.
E ele nem se importa com o estrago que faz.
Agora só preciso de um pouco mais dessa dose, mas não tenho ânimo de tomá-la. Tome um drink por mim e tente me fazer voar com outras asas, aquelas já estão velhas. Eu não sei nadar, então me ensine a voar pra bem longe e seguir para qualquer outro rumo melhor, antes que o sangue verde em minhas veias escape pelos meus dedos. A vida é um drink, mas o amor é uma droga. O vício não é uma escolha.
Imagine uma jovem moça que acabou de sair de sua comunidade e se mudou para uma pequena vila distante, onde todos são tão estranhos de você. Eu estava acostumada com uma vidinha tão simples, com tantas pessoas que conheço e agora estava aqui, num lugar diferente, com outros rostos, outros costumes, outro estilo de vida.
Todos nesse lugar se conheciam, mas não me conheciam. Os olhares se voltavam para mim frequentemente se perguntando: “Quem é essa garota que se veste tão distinta a nós? Que olhar tão vulnerável é esse que nos está presente? De onde poderia ter saído?”
Eu não os via como iguais e eles não me viam como normal. A chegada de um ser estranho lhes remetia a um medo tão grande que acredito que poucos ali, de fato, ouviram minha voz.
Mas o que me deixava intranquila era a forma como eu era julgada. Eu não precisa mostrar o que eu pensava, nem ninguém se arriscava a me conhecer profundamente. Eu era um livro raso, examinado pela capa que eu não podia ocultar – a menos que pudesse não mais sair de meu, e detesto dizer isso, novo lar.
Tudo em mim era estudado: Desde minhas roupas, ao meu olhar, à forma como penteio meu cabelo, se meus sapatos estão sujos ou se prefiro comprar o Disco Y ao invés do X – “e nem ouse reclamar se estiver em falta”.
Sim, sou a mesma pessoa, mas o meio me força a uma adaptação, de uma maneira ou de outra, mesmo que minha raiz vá de encontro a essa porta que não se abre pra mim.
E, mesmo que sempre haja outras escolhas, a primeira, e única, era que tudo se deve aceitar, já que “poxa, você tem que ser como todos nós, assim fica mais fácil de a amarmos. Não seja essa garotinha tão rebelde, como se quisesse mudar o mundo. Venha, há algumas lições que você precisa aprender, todos vão gostar de você. Tenho uma roupa que lhe cabe direitinho, todos vão amar seu novo look. Ah, mas você não pode falar nem agir assim, que tal mudarmos tudo isso pra você se tornar alguém melhor? Você terá muitos novos amigos”.
Claro que terei, claro que todos me amarão, serei como eles. O que me resta? Talvez, o modo mais fácil de encarar tudo isso seja caindo em uma overdose desta nova realidade em que, sozinha, não sou capaz de mudá-la por completa.
Só que não estava entre minha lista de anseios me guardar tão profundamente em mim. Outra história que poderia ter outro final se antes, sentado ao meu lado, pudessem ter embarcado na minha história, de cultura tão diferente e de tão rico conteúdo, mas de que vale se o exterior é mais importante?
“Então, abra sua cabeça! Iremos penetrá-la com nossos conceitos, para que você deixe de ser mais uma velha fora de moda. Não precisa resistir, não vai doer nem um pouco, não se preocupe”.
O vento, em minha janela, bate tão forte que não me deixa sair da cama. Vejo daqui as ruas totalmente brancas. Não, eu não quero me levantar. Aqui dentro, pelo menos, tenho aquela sensação de que está tão quentinho embaixo das cobertas.
Ah, que delícia esse frio. É a estação que mais gosto. Com dificuldade, saio da cama, tiro minha roupa…
Frio, frio frio…
Corro até o chuveiro que despeja seu banho quente em mim. Que delícia! O banheiro todo se enche de vapor. Aproveito pra fazer meus desenhos no vidro do espelho (e deixo o chão ensopado).
Mal saio do banho e o frio já me pega de jeito. Visto-me rápido. Coloco aquelas minhas luvas da Lufa-Lufa, minhas meias grossas, meu gorro e meu cachecol amarelo com preto. Estou pronto pra sair, até que…
Frio, frio, frio…
O vento gelado bate em meu rosto tão forte que quase desisto…
Mas, pô, é inverno! É a melhor estação do ano!
Vejo crianças atirando bolas de neves nas outras (coitado do garotinho de olhos castanhos, caiu de jeito e ficou todo ensopado! Ele chorou? Não! Apenas começou a fazer um boneco de neve, sendo imitado pelas outras crianças). Vejo bonecos de neve sendo criados (ei, esse parece comigo! Meu nariz nem é tão grande).
E as pessoas, como ficam belas! Essas roupas, essas botas, esses gorros. Parece que estou na Europa, tomando meu chocolate quente que ganhei da vizinha. Ela sabe açucará-lo do jeito que eu gosto (Ah! Se depois não lhe faço uma visita, só pra não ver a gripe me pegar).
Ah! Como eu amo o inverno! A neve, as roupas, o chocolate, o banho quente e o calor que nos envolve embaixo do cobertor quando nos envolvemos em outros braços, ardentes.
Deixe-me dizer uma coisa, pequeno jovem. Se alguém te dá o coração que a este pertence, não o destrate caso o aceite, pois o coração é aquilo que melhor temos.
Ninguém é tolo por amar, nem por ter um bom coração. A culpa não é de quem o tem, não é de quem tenta transformar o próprio mundo em um lugar melhor. O coração bom, resistente a tantas adversidades que o mundo lhe traz, só olha para o lado otimista, o lado que melhor for positivo para todos (ou para a maioria).
O coração bom, e torno a dizer, não é tolo. Não é culpa dele se o mundo tenta lhe corromper. Nem tão pouco é ingênuo: Conhece muito bem arredores de onde habita. O coração bom tem poder transformador: transforma o mau em algo bom. Se não consegue, pelo menos tenta. Pra ele não é uma perda de tempo.
Dentro de cada um de nós há ou já houve um coração bom. Alguns o esqueceram ou o perderam na descrença de um mundo melhor. O que te levou a deixá-lo por aí, com frio ou em alguma longe esquina, sentindo-se só?
Muitos ainda o preservam, mesmo que “deixá-lo de mão” seja sempre um conselho. Ora, eu sei o que os outros falam, pra mim não é nenhum segredo. “Tenha um pouco mais de malícia, assim ninguém te passará para trás”. Mas vejam só se isso é correto dizer: Se ser bom é ruim, então mau é que deverei ser?
Por isso, meu amigo, se você receber um coração bom, mas não for capaz de amá-lo da mesma forma, não o aceite. O coração bom também tem seu lado frágil que pode parti-lo em mil pedaços. Curá-lo é difícil e leva tempo, traz dor a quem o carrega. Cicatrizes ficam para toda a vida e isso eu não preciso dizer. Se você não gosta de ter seu coração bom, faça-me um favor: Afaste-se de quem ainda o merece ter!
Sabe quando precisamos de um abraço? Ou até mesmo um aperto de mãos e um tapinha nas costas? Sabe quando só queremos alguém do lado, mesmo que em silêncio, só pra não nos sentirmos só?
Estou eu aqui, mais uma noite sem dormir, sentado em minha poltrona, com muita coisa na cabeça. Não há nada para fazer, a não ser me deitar e rolar umas boas horas na cama. Não está frio, não há fome, é apenas mais um dia que se passou.
Enquanto a lua brilha lá fora, aqui dentro há pensamentos do que a vida poderia ter sido. Mais um dia se passou e estou sem saber o que vale a pena. Estou confuso. A vida não tem me dado mais nenhuma recompensa.
Pode até ser um pouco de egoísmo querer que alguém tente me entender por um instante ou pedir que alguém passe mais tempo comigo, mas será que só eu quem deveria me preocupar com os outros? O que tanto eu tenho diferente que ninguém vem se importar, de fato, comigo?
Também ouço muito que, para se conseguir tantas coisas, é preciso correr atrás. Até onde isso vai? Será que não se deve ter um dia de descanso onde alguma coisa possa vir tão fácil para mim? A vida é uma luta diária, não nos permitindo descansos? Por que tenho que regar todos os dias as minhas plantas? Será que não há chuvas que durem mais que uma semana?
Sim, temos que ser fortes, temos que estarmos motivados, mas às vezes estamos cansados e o que precisamos é apenas de nos repousarmos em um abraço. Há um mundo cruel lá fora, mas o que eu queria era apenas viver em paz no meu canto, mas eu faço parte deste mundo, então, talvez eu deva ser cruel também. Ou, talvez, devesse apenas continuar abraçado à minha solidão.
Eu tento correr, mas para onde vou? Tento chorar, mas minhas lágrimas se trancam em minha garganta. Tento escrever, mas nem sei se sou bem interpretado. Tento mudar minha rotina, mas ela se transforma numa nova rotina. Tento cantar minhas músicas, mas apenas eu as ouço. Até tento gritar, mas minha voz se perde na multidão. E eu me torno apenas mais um garoto fazendo drama em uma tela azul.
Aí eu me questiono: Será que o problema sou eu? Será que não sou legal o bastante para quererem minha companhia por tanto tempo? Será que nenhuma alma se solidariza em compartilhar comigo experiências que me façam bem? Afinal, o que há de errado? Tantas perguntas que me faço, tantas hipóteses que formulo, mas nenhuma resposta concreta. E só me resta seguir sem saber como.
Eu sei, eu precisava desabafar. Era isso ou mais uma noite de insônia. Agora vou me deitar novamente e tentar dormir um pouco. Não vai ser fácil, mas eu consigo. Respirar e relaxar.
Queria eu que fosse esse só mais um personagem, mas, na verdade, sou eu, vendo a vida passar.
Dá pra perceber quando serão tempos difíceis quando nem a luz do dia aparece na minha cama pra me acordar, exceto o lustre que cai próximo da cabeça (poxa, até senti um caco em minha língua). E você ri do cabelo que nem penteei ainda.
Tá dando tudo errado. Eu rolei da cama e caí ali no chão, quase me corto com o resto do lustre espatifado. Solto um gemido de ‘me deixe aqui no chão’ e fico ali esfregando a cara no piso gelado. Nem era pra eu ter saído da cama. E você ri da minha falta de coragem.
Serão tempos difíceis, tempos pelos quais nem me atrevo a lutar, tempos em que até o banho vira sofrimento (sério, você não ia nem querer sentir meu cheiro), tempos em que minha ansiedade por fazer algo direito mais ataca. O coração até palpita mais rápido que eu mesmo (tá, eu sou apenas uma lesma imóvel no quarto). E você fica aí rindo da minha falta de mobilidade.
Eu me rastejo até o outro quarto, pego minhas baquetas, bato com força na minha bateria, mas o barulho (como os próprios vizinhos chamam) nem levanta meu astral. Depois jogo uma delas na parede que ricocheteia para minha testa (imagina se pega no olho). E aí o prato cai na minha perna e meus olhos reviram de dor (agora tenho que voltar ao outro quarto pra vestir uma calça que esconda o roxo). E você fica aí rindo quando eu apanho.
A perna mancado, a outra arrastando e eu nem sei como a falta de ânimo me fez levar até a cozinha. Faço meu ovo frito, meu bacon frito, minhas batatinhas fritas (meu café muito bem saudável, aceita?) e meu refrigerante zero (não quero engordar), mas nem elas saciam minha fome. E você ri da minha falta de apetite. Talvez uma maçã… não, esqueça! Isso não faz bem à saúde.
Na parede da sala, minhas fotos de 6 anos atrás parecem tão felizes, de uma jovem loira (magra, olhos azuis, sorriso ardente, linda e muito humilde) que conquistou o mundo e que agora não é capaz nem de pegar o controle da própria tv de led que comprou de seu intocável salário. O DVD cheio de poeira (quem é que ainda usa isso?) e um filme que nunca vi (Norris, é você?). E você ri da minha falta de entretenimento (e, talvez, da modéstia que ficou lá no passado).
Sinceramente, eu até ia contar mais do meu dia, mas acabei pegando no sono de novo, deitada no sofá. Tempos difíceis essas manhãs de domingos. Você fica aí rindo de mim só porque nos divertimos ontem a noite e hoje eu só tô o porre (opa!). Vai lá, chama seus amigos para rirem de mim, eu nem ligo mesmo… (amanhã já tô de boa!).
Nunca houve razões para crer que algum dia
O seu sorriso viesse de um sangue frio
Busquei alguma chama por dentro desse peito
Era tão sombrio e vazio.
Já ouvi histórias de tantos amigos
Quem viveram esse sentimento doentio
Sempre assustados, limitados e sem tempo
Nada era feito sem consentimento.
Eu ria, eu me irritava
Quando teriam um tempo para nossa diversão?
Eram mandados e monitorados dos pés à cabeça
Maldita e Inacreditável possessão.
Agora tudo isso acontece comigo
Só que por aqui não acaba bem
O amor é para tolos
E, eu sei, sou um tolo também.
E se sou um tolo,
Sou esperto pra raciocinar
Que se aqui não vejo amor
Não tenho a quem me declarar.
História sem fim de um amor envolvente
Plastificado tão bem para encantar apenas o vento
Ninguém conta pra quem está lá fora
Ninguém do lado de fora conhece aqui dentro.
O que de sua parte não se compreende
Que tuas mãos, minha mente jamais controlará
Vá, dê-me um último beijo
É aqui que nosso desejo se cessará.
Essa psicose nunca foi pra mim, meu amor
Nem tente me intimidar com seus olhos vermelhos
Somos jovens demais para juntos morrermos
Somos imaturos demais para juntos envelhecermos.
Algo vem me despertar de um sonho bom que tive contigo. Olho para minha cama gigante e passo a mão num lençol frio e amarrotado. Meus olhos vão se abrindo lentamente à sua procura. Ao vencer a preguiça, finalmente, olho para o lado e me encontro sozinho, com os pés gelados. O cobertor está jogado no chão e lá fora chove. Levanto-me, vou à janela e vejo as gotas de orvalho escorregar pela vidraça. Ponho a mão e meu rosto contra aquela parede transparente que me separa do exterior de minha habitação. Minha mente viaja por um instante. Não, eu não devo partir.
Talvez fosse esta mais uma história de solidão, mas meu olfato sente o doce odor de um café sendo preparado. Meu sorriso se reflete naquela janela e o calor abraça meu corpo. Ouço gavetas se abrindo e talheres tilintando ao longe. Saio do quarto e fico ali, à espreita, observando quem abraçou minha solidão. Sorrio novamente, e, dessa vez, a imagem de alguém sorrindo reflete em meu coração. O mesmo sorriso que me despertou de uma lágrima, vestido com tão poucos trajes, preparando aquela bebida escura e amarga.
Devagar, me aproximo. Envolvendo aquele corpo num abraço, enquanto beijo sua nuca. Recebo novamente seu sorriso enquanto uma torrada nos é preparada. O silêncio não foi quebrado. O que nem era preciso, pois nossas almas se conectavam ali e um sabia o que no outro faltava.
E eu fiquei ali, sentindo seu cheiro, me perdendo em meus pensamentos, quando ainda éramos isolados pelo mundo. Você ali, sob o sol escaldante, o rosto sujo e o corpo suado e marcado pelas mentiras de quem um dia prometeu ser. Suas asas caídas e feridas não te permitiam mais voar.
Eu, em minha bondade, sentei-me ao seu lado e lhe disse algumas palavras. Alguma luz em mim me fez tocar seu coração. E você apenas me ouviu, com sua paciência. Eu nem sabia porque estava dizendo aquilo, mas sabia que era algo que você precisava ouvir. Pela primeira vez, você entendeu que sua asa quebrada não era sua culpa. E seu coração, tão quieto, me agradeceu.
Mas antes que seus lábios pudessem se mover, eu já estava de pé, caminhando para longe. Você, com o dom que alguém jamais teve, me viu de mãos dadas com minha solidão.
E você não me deixou partir.
Levantando-se em sua paz renovada, seguiu-me, cuidando de mim por alguns instantes. Quando me dei conta, estávamos frente ao outro, trocando um olhar sereno. E, no meio da multidão, naquela avenida barulhenta e lotada por pessoas sem cor, se fez nosso primeiro abraço. O que era breve, nos pareceu eterno.
Tomamos um café, trocamos nossos telefone, jantamos juntos. Dançamos muito naquela noite. Nunca mais nos separamos. Meu pensamento retorna, mas meu corpo continua ali, parado, sentindo seu cheiro e seu sorriso.
Vamos para a mesa de café e nos sentamos. “Como foi seu dia?” quebra nosso gelo. A conversa era animada e a refeição estava deliciosa. Nossas mãos esquerdas, onde reluz um pequeno aro dourado, se encontram. Se o tempo se abrir, será um belo dia para um passeio no parque.
Algo me veio despertar naquela manhã fria de domingo. Eu estava só na minha cama gigante e amarrotada. Procurei por você e não te encontrei. Mas você estava ali, na cozinha, preparando nossa primeira refeição. Não, não mais havia solidão. O que havia era apenas o caminho que nós dois escolhemos ser.
Quando eu era apenas uma criança, vi meu pai sair enfurecido de casa com as malas nas mãos. Ele gritava com minha mãe, que chorava tão alto que os vizinhos podiam ouvir. Meu pai se foi e minha mãe ficou ali, sem dizer uma palavra. Eu, com tão pouca idade, mal entendia o que acontecia, enquanto nos envolvíamos naquele doloroso abraço. E, pela primeira vez, setembro não floresceu.
Por um bom tempo, ela sempre me dizia que tudo estava bem, que a vida era feita de altos e baixos e o passado havia ficado para trás, mas eu não sentia firmeza em sua voz e suas ações se perdiam em seus pensamentos sofridos. A solidão a abraçava todas as noites e o travesseiro era o único conforto para seu choro quase silencioso.
Os anos se passaram lentamente e nunca mais vi mamãe amar de novo. Ela desistiu de seu coração partido, enquanto se esforçava em ser a melhor mãe do mundo. Eu me tornei, tão jovem, o homem da casa e prometi protegê-la smpre, mas no auge dos meus quinze anos, o que eu entendia sobre maturidade, se por tantos anos nunca soube o que era ter uma figura masculina ao meu lado, que me ensinasse, por seus olhos, o que a vida era?
Mas ele não estava lá no meu primeiro dia de aula, ele não estava lá quando ralei meu joelho no futebol, ele não estava lá quando tive minha primeira namoradinha, nem quando chorei por ter pedido meu primeiro amor. Ele não estava lá na minha primeira apresentação de violão e nem estava lá para me ensinar a fazer a própria barba. Ele nunca esteve quando precisei, eu não precisava mais dele para amadurecer. Eu apenas seria quem gostaria de ser.
Os anos continuaram se passando e me tornei um homem direito, com responsabilidades e um bom emprego. Minha mãe também aprendeu com o tempo que podia seguir sozinha e, mesmo com tantas cicatrizes em seu coração, continuou a seguir com todo o seu carinho. Sem rancores, sem lamentos, ela voltava a sorrir, mesmo sabendo que algo lhe faltava. Eu sentia isso. E também sentia que me algo faltava, mas eu nunca mais derramei lágrimas para aquele senhor.
Eu só não queria que o destino me pregasse uma peça, quando, anos mais tarde, encontro aquele homem, sentado no chão, em vestes de mendigo, levantando sua mão para mim, perdido no álcool, pedindo-me dinheiro. Naquele momento, nossos olhos se encontraram e ele me reconheceu. Estávamos em lágrimas. Muita coisa se passou na minha cabeça e, por um instante, congelei. Agora eu lutava contra meu orgulho e meu passado e não me permitia escolher se ia embora ou se lhe estendia a mão em busca de um recomeço.
Ato 1
Confesso. Assim é mais divertido. Divertido quando ganho meu próprio jogo.
Culpada. Bastante culpada. A serpente habita e pode envená-la com uma mordida. É divertido. A faca não corta a língua, divide-a em duas.
Remorso. Palavra que não me cabe. É divertido brincar do meu próprio jogo. Jogo sem remorsos. Jogos sem sofrimentos – bilaterais. Jogos pra mim, não pra ti.
O ódio não é passageiro. O sangue ferve em tuas veias, mas não pedes vingança. Pede a morte. Rio de ti, em deboche. Já viste a morte de perto? Prazer. Chega mais perto.
Ela vem rápida. Venho lenta e cheia de sofrimentos – para dar. Minha conquista é meu ouro. Faço-te sofrer para poder me engrandecer. É assim que jogo. Diversão para mim, nada para ti. Vitória para mim. Derrota para ti.
Tudo vale a pena, se pra mim valer a pena. Egoísta? Quero o que é meu. Quero o que não é meu. Quero meu agrado. Quebro tua vida se for necessário. Se quero, quero. Não tem vez – se não for para mim.
Assim que jogo. Piso em teu calo. O que você haverás de fazer. Enfrentar este monstro? Lamento. Não é assim que funciona. Crio dor e sofrimento. Não é pra ti este momento.
E assim nasce meu pior inimigo. Quer lutar de igual para igual. Eu, alimentada pelo desejo. Ele, pelo ódio. O mundo não dá volta, meu amigo. Sempre será meu momento.
Ato 2
Fez-te a ti assim para quê? Se queres sangue é o que haverá de ter. O mundo dá voltas sim, é aqui que em teu jogo ponho um fim.
Qual o problema de tua luta? Não consegues te levantar? Confusão em tua cabeça. Não imaginaste que assim fosse terminar.
Não luto apenas com ódio, mas com a força de tantos que por tuas mãos sofreram. Guardei meus punhos para a hora certa, mesmo que se arrastasse todo o meu sofrimento. E, mesmo que tenha doído tão profundo, cá estou eu, erguido em meu anseio.
Sorte tua que me criei como bom homem que aprendeu que vida nenhuma há de se subtrair. Mereces na lama imunda permanecer. Agora todos conhecem teu verdadeiro ser. Vais a viver aí, presa dentro de si. Vais a viver aí, vais viver até se arrepender.
O mundo gira, mas não acreditaste. Agora me pergunto: quanto tempo nesta vida, haverás de suportar-te?
Remorso. Tão breve a habitar-te.
Ato 3:
Mesmo tendo perdido esta luta, haverei de renascer e tomarei aquilo que foi meu. Não vou mudar por bondade tua, nem haverei de me arrepender. Um dia, retornarei. Portanto, não durma.
Alguns jurados na sala, mas nada em suas vistas. Não até pequenos pés de veludo se apresentarem. Um pezinho tão deliciado se desliza calmamente por aquela sala. Eles calçavam um sapatinho tão pequeno quanto seus pés, pintados de um azul claro com uma fitinha em cima.
Aqueles pés suaves sustentam uma menina doce e tímida. Ela está atrás das cortinas, olhando calmamente os juízes. Ela acredita que assim não é capaz de ser vista, mas eles a olham, pacientemente.
“Ela é mais uma daquelas garotas”, comentam e concordam.
Aos poucos, a garotinha vai saindo daquela cortina, tomando o seu lugar na sala de piso de madeira. No teto, havia algumas marcas de goteira. Choveu recente, era o que se percebia. O céu lá fora estava azul, como seu vestido de menininha.
“Vestido de menininha”, comentam e concordam.
Ela tem um grande laço na cabeça. Seus olhos e seu rosto levemente maquiados. O olhar continua tímido e os lábios com batons quase imperceptíveis. Seus cabelos encaracolados pintados de ruivo, mas uma cor nada fora do extravagante. Ela diz algumas palavras e todos notam sua voz doce e confortável.
“Ela serve. Age doce e delicada como uma moça deve ser”, comentam e concordam.
A sala se escurece. O céu se escurece. As luzes piscam três vezes antes de voltar ao normal. A garota doce some e outra aparece no mesmo lugar. Os mesmos olhos, o mesmo rosto, a mesma boca, o mesmo corpo, mas num tom diferente. No lugar daquele vestido, há uma roupa escura, formada de uma camiseta comum xadrez e uma calça jeans rasgada nos joelhos. O tênis desamarrado dá lugar à sapatilha. Os brincos não estavam mais apenas em suas orelhas. A voz já não era tão suave.
“Tragam aquela verdadeira mulher de volta”, comentam assustados.
Ela carrega sua guitarra tatuada nos braços, tatuada como seus braços. Tatuadas de uma figura preta como seus lábios, pintadas em um tom escuro, como seus cabelos. A melodia era outra. Era a mesma garota, mas a garota não era mais a mesma.
“Tirem-na daqui, não é este um lugar para uma jovem rebelde”, gritam assustados.
Ela dá voz à sua guitarra.
“Por muito tempo, eu fui apenas um projeto do que vocês queriam que eu fosse. Eu tenho que ser só mais uma garotinha doce para que vocês se ponham satisfeitos neste mundo de ideias fechadas que vocês criaram. As regras foram estabelecidas por vocês e eu devo segui-las ou não estou preparado para vocês, mas são vocês que não estão preparados para pessoas como eu. Qual o medo de alguém tão diferente?”
Um passo de cá, outros recuando de lá.
“Seu desejo pra mim é uma ordem, não é? Não, não é. Passo a vida toda te agradando e no fim da noite me pergunto quem realmente sou. Estão tentando me moldar enquanto tento lutar com todas as suas amarras. Me desculpe, mas eu não sou como essas garotas malucas que vocês inventaram”.
Eles não concordam. Eles querem que tudo seja brincadeira.
“Todas as vezes em que estive perdida, ninguém foi ao meu encontro. Gritei por tantas vezes para tentarem me libertar, mas ninguém veio ao meu encontro. Precisei perceber por mim mesma e inventei meu próprio caminho”.
“E talvez, ao passar por aquela porta, eu volte ser a mesma garota maluca que sempre fui, quem sabe. Mas se isso acontecer, se algum dia isso acontecer, eu vou ter a certeza que aquela garota maluca na verdade, era só eu mesma. Ninguém precisou inventá-la”.
Daqui pra frente, serei apenas eu por mim mesma. Nenhum protocolo mais.
Um vento novo bagunça meus cabelos, enquanto vejo a mesma lua com um brilho diferente. Eu já esperava por este dia, desde aquele último, no ano passado. Como todos, paro de súbito para refletir tudo o que passou. Eu posso ser o mesmo, mas meus pensamentos variaram um pouco. Tanta coisa se passou desde então.
Como tudo mudou de um ano para o outro. Primeiro, a ordem era derrubar todos os inimigos que assim fizeram comigo, depois, ter uma nova visão de tudo. Parecia que estava renascendo tudo em mim e o resultado foi uma balança assustadoramente positiva, tão diferente da primeira.
Nascer na primavera tem lá suas vantagens, pois é o tempo de renascimento. Não tenho do que reclamar, a vida me presenteou de tantas formas que fica difícil escolher apenas um momento bom. Rememorar todos aqueles que por mim cruzaram é mágico. O que aprendi não está escrito. É uma pena que tantos outros desembarcaram. Na esperança, despeço com um aceno de até breve.
Levo de tudo isso uma esperança de que sempre que queremos, algo pode melhorar. É claro, a vida nunca é fácil, mas por favor, não tente pensar muito sobre isso. O medo faz parte de todo amadurecimento.
Bem, eu continuo. Olhar pra trás e seguir sem meus velhos erros. O que é bom continua? Talvez. Talvez cometer novos erros seja bom, quem saberá se não arriscarmos? Tentar algo diferente é bom para o ego e para a alma. Não tem como adivinhar. Valerá a pena? Eu não sei.
O que eu sei é que qualquer estrela que eu queira poderá fazer parte do meu caminho. Elas sempre serão bem-vindas em minha vida. O que importa é ser feliz, sendo quem sou e sem me importar com o que vão dizer. E quer saber? Todo mundo tem o direito de ser feliz a sua maneira, não cabe a ninguém repreendê-las. Talvez, essa seja a nova ordem. Ser feliz é o que importa agora.
Somente eu, a solidão e meu velho violão neste mundo. Meu ser abençoado caminha por estas terras procurando cada lágrima de sofrimento que cada pessoa por eu encontre carrega.
A minha missão por aqui é um pouco diferente da sua. A minha missão é transformar cada uma destas lágrimas de tristeza em alegria. É transformar cada coração fechado em um disposto a amar. É levantar cada caído e fazê-lo voar.
Algum tempo por aí, eu também estive triste. O meu coração clamava por alguém que lhe respeitasse, mas por um tempo ele não pode ouvir uma resposta. Ele nunca pode se dividir com um semelhante. E ele entendeu que assim seguiria.
Mas o que ele não poderia aceitar era outro coração como ele. E por estas estradas que caminhamos, eu, ele, o violão e a nossa solidão, não mais haveria um olhar triste, não mais haveria um céu sem estrelas. Não mais haveria uma lágrima sem boa razão.
Meu coração sempre me disse que não devemos machucar as pessoas, devemos amar e cuidar delas. Meu coração, que irônico, que tanto se partiu e precisou de um bom tempo para colar cada pedacinho, me pede para dar forças a quem precisa. E para lá fomos: para estender as mãos para outro coração partido.
Eu não quero e não posso mais te ver assim, meu amigo. Sua história ainda não teve seu fim, como esta canção que tenho composto pelas minhas estradas. Estradas que ando com meu violão e minha solidão. Solidão esta que não sabe o que é estar só, por ter adotado tantos corações solitários dispostos a encontrar suas próprias luzes.
E é por estas estradas que eu sigo, sozinho. Eu, meu violão e meu velho coração solitário.
De longe, ouvia-se o velho sino do Parque Central. Barulhento e tenebroso. Alguns juravam ouvir um ruído junto. Outros, diziam ser apenas o ouvido cansado de um morador ancião.
Blim-blém (pausa). Blim-blém (silêncio).
Duas da manhã. O silêncio se rompera com a sinfonia dos ventos. Fazia frio. Não havia quaisquer estrelas e a lua tímida escondia-se atrás de uma nuvem carregada.
Enquanto a cidade inteira dormia, minha namorada e eu procurávamos um bom lugar para um afago. Próximos a um balanço, nos sentamos. Ainda não havíamos notado o pequeno playground tão próximo.
– Poderíamos trazer Bibi algum dia.
Silêncio. Fran tremia. Notei suas mãos roxas e geladas. Entreguei-lhe meu sobretudo e a deitei em meu peito enquanto a abraçava. Ela se aconchegava em mim, enquanto me respondia:
– Não quero trazê-la aqui. Disseram ser este um lugar muito ruim para crianças pequenas.
– Bobagem!
Os boatos diziam que naquele parque muitas garotinhas sumiam, sequestradas, e tinham suas almas roubadas. Boatos nunca confirmados, mas Fran não arriscaria sua irmã caçula num local como aquele.
– Não quero que aconteça nada a ela – Ela me dizia com lágrimas nos olhos.
– Nada de ruim acontecerá a ela, eu prometo – Abracei-a forte, enquanto beijava-lhe a testa – Vocês duas sempre estarão protegidas comigo.
Então, ela me abraçou de frente, com um sorriso. Feliz por meu poder de persuasão e por tê-la acalmado. Mas algo havia me deixado intrigado: Um par de sapatos brancos próximo ao balanço, que eu não havia notado. Minha primeira reação foi empurrá-la.
– Ai, você está me machucando, Mateus.
Voltei a mim. Num reflexo rápido tornei a olha-a, assustado.
– O que foi que você viu? – Ela me perguntava séria, olhando para trás. Os sapatos haviam desaparecido.
– Não, nada, nada. Devo ter ficado impressionado com alguma coisa. Algo que… bem… é… devo ter visto… num filme… num filme de terror, isso, é… num filme de terror.
– Você só vê filmes de desenhos.
– Quando estou com você.
– Você mora comigo!
– Vejo quando você está dormindo…
– Mateus, você sempre dorme primeiro que eu!
– Mas, é que, eu vejo… primeiro que…
Passos. Susto.
– Você ouviu isso?
Estávamos os dois em choque. O que estava acontecendo? Silêncio. Fran olhava para todos os lados. Nada a vista.
Silêncio.
…
– Aaaaaahhhhh…!
– O que foi? – perguntei assustado.
– Ali, atrás de você.
Olhei. Nada. Ela jurava ter visto uma garotinha de olhos brancos atrás de mim. Então, senti algo pesado em meus braços: Fran perdera seus sentidos.
Segundo Ato
“Toda noite venho ao balancinho, Piso nessa areia pra brincar Mamãe não gosta nada, nada, nada Meu sapatinho branco vai sujar…”
Nhéque – nhéque – nhéque – nhéque
“Meia noite e meia no parquinho, Fujo pra sozinha vir brincar Mamãe não gosta nada nada nada Pois sempre me demoro pra voltar…”
Nhéque – nhéque – nhéque – nhéque
Há um boato naquela estranha cidade que diz que todas as segundas-feiras, quando o Parque Central se encontra inóspito, é possível escutar uma voz doce e distante de uma garotinha de quatro ou cinco anos, seguido do rangido do balanço. Alguns moradores já solicitaram a retirada do playground, mas o último prefeito que tentou fazê-lo desapareceu misteriosamente. Desde então, ninguém mais quis arriscar sua vida.
O boato começou há muitos anos, por conta de um cozinheiro famoso da cidade. Ele possuía um restaurante com comidas requintadas, deliciosas e possuía um dom divino em sua arte. Todos na cidade o elogiavam. Seu restaurante vivia cheio e lhe trazia bons frutos.
Mas, sua vida não era tão feliz quanto. Um dia, ao chegar mais cedo em casa, pegou sua mulher com seu melhor amigo e o matou ali mesmo, escondendo o corpo.
Ele continuou casado com a mesma mulher, mas tornara-se um homem frio e sem brilho. Deixou o restaurante para vigiar sua mulher por 24 horas. Mesmo assim, não se dava por satisfeito e a acusava de muitas coisas. Batia e a agredia verbalmente. Ensandeceu-se. Quando sua filha nasceu, duvidou que tivessem o mesmo sangue.
Durante um bom tempo, a garotinha e a mãe viveram em um cárcere em seu porão. Contam por aí que a menininha sempre via a lua pela janela alta daquele quarto frio e dizia à sua mãe que queria brincar lá fora com seus amiguinhos, mas ela só respondia frases curtas, como as da canção da garota.
Quando completou quatro anos, a garotinha conseguiu escapar e correu como pode. Encontrou o parque e foi se divertir no playground. Por um infortúnio, enquanto ela brincava naquele balanço velho, seu pai furioso a encontrou, depois de não a ter encontrado no porão. Sem testemunhas, ele a enforcou com as cordas do balanço e enterrou seu corpo ali, embaixo do balanço. Uma semana depois, sua voz interior gritou mais alto e ele foi ao delírio. Suicidou-se, sem qualquer cerimônia.
Acreditando que algo assim jamais aconteceria, eles trocaram as cordas por correntes de ferro. Já a mãe, até o último instante de sua vida, ficou internada em um sanatório, onde diziam que ela vivia com uma boneca nos braços, tendo esta por sua filha.
“Meia noite e meia no parquinho Corro iluminada pela lua Mamãe me disse: ‘filha não vá sozinha, Pois tenho medo que ele possa te encontrar'”
Nhéque – nhéque – nhéque – nhéque
“Gosto tanto do meu balancinho Nele brinco, brinco sem parar Posso ficar a noite inteirinha Mas papai já está aqui para…”
Terceiro Ato
– Venha brincar comigo, garotinha. Venha ser minha irmãzinha.
– Quem… é… – Fran estava apavorada.
– Vem brincar comigo no balanço.
Fran notava que os olhos da garotinha eram brancos, de uma forma estranha.
– Quem é você? – perguntou Fran com mais coragem.
– Eu sou sua irmãzinha caçula. Eu quero brincar com você. Estou tão solitária. Venha, tome um chá comigo. Está quentinho, acabei de fazer.
– Solitária? Você não tem mãe, irmãs, amigas?
– Mamãe morreu há muitos anos. E eu sempre faço novas irmãzinhas, sempre aparecem para brincar, mas desaparecem depois de um tempo e eu tenho que buscar outra vez.
– Buscar? Como assim buscar? Do que você está falando, garota?
– Às vezes vem uma garotinha ou outra brincar no meio da noite e eu a arrasto para o balanço e ela desaparece logo, logo.
A garotinha cruzou os braços, enquanto fazia cara de emburrada.
– Mas, mas é claro, tudo faz sentido agora! É você quem as sequestra e depois rouba suas almas. O que você faz do corpo dessas pobres garotinhas?
Então, a garotinha abre os braços como se dissesse “não sei” e depois solta uma gargalhada sinistra.
– MONSTRA, SUA MONSTRA! – gritava Fran aos prantos.
– Fran, fran, acorde, o que está acontecendo?
Fran se debatia nos braços de Mateus, enquanto continuava a gritar com a garotinha.
– Você vai me dizer onde escondeu todos os corpos ou vou matar você.
– Você nunca irá conseguir me matar, pois eu… – a voz da garotinha engrossava, enquanto seus olhos brancos brilhavam e sua boca expelia sangue – já estou morta e vou te levar junto, para o meu túmulo HA HA HA!
Assustada e suada, Fran acordava nos braços de Mateus.
– No balanço! No balanço! Elas estão no balanço.
– Fran, fran, se acalme, que você está dizendo? – Mateus perguntava apavorado.
– Temos que destruir o balanço. Os corpos devem estar enterrados logo abaixo. É pra onde ela os leva, para seu túmulo.
Mateus estava um pouco assustado, pois o boato do prefeito desaparecido era forte, mas não sabia no que acreditar. Mesmo assim, eles pegaram algumas ferramentas no porta-malas e atacaram o brinquedo favorito da garotinha.
Blim-blém (pausa). Blim-blém (pausa).
O relógio marcava três horas quando o balanço caía.
Blim-blém (pausa – estrondo do balanço caindo – grito desesperado de uma garota).
O céu ficou branco por alguns instantes, indicando que o espírito havia se recolhido para sempre.
– Conseguimos! Mandamos a alma pra…
– O serviço ainda não acabou, Mateus, temos que descobrir o paradeiro das crianças…
E os dois começaram a cavar a areia do parque. Ao bater em alguma coisa dura, tiraram o excesso da areia até que pudessem ver o primeiro corpo de uma criança, já sem vida. Depois viram o segundo e logo o terceiro. Entreolharam-se com medo, enquanto engoliam a seco.
Acionaram a polícia. Em poucas horas, o local estava tomando de pessoas chorando, enquanto a chuva caía. A garota do parque estava se despedindo de todas as suas irmãzinhas.
Mateus e Fran voltaram para casa suados, cansados e sujos. Eles não estavam felizes, apesar de terem resolvido um mistério de anos. Ter em suas mentes a imagem de tantos corpos pequenos os assombraria todas as vezes em que eles fossem tomar o devido repouso em seus travesseiros.
Talvez, algum dia, você não esteja mais aqui para este conto ler. Quando acontecer, tarde demais há de ser.
Alguns litros de confiança e dois ombros para chorar, suficientes para tudo começar. Um pouco de desconfiança e o passado marcado em minhas costas, não puderam destruir minhas asas de esperança. Um parceiro, um sábio, um velho e um tolo, para juntos as trevas enfrentar.
Quando, enfim, pude acreditar que um dia poderia encontrar alguém tão diferente do mundo, que todas suas concepções fossem contrárias a ele, eis que de minhas mãos, por algo tão bobo, este viesse para, enfim, sequestrar e sua mente amaldiçoar.
E foi então que te perdi.
Naqueles velhos tempos, prometemos que nada nos derrubaria, que tudo de alguma forma, sei lá como, se ajeitaria. E se um precisasse o outro auxiliaria. Eu não acho justo que chegaria o dia em que um dos dois falharia.
E isso, acredite, machuca tanto.
Eram esperançosas nossas palavras de coragem e luta para mostrarmos quem éramos. Éramos, na amizade, o melhor dos sentimentos.
Éramos o antídoto para tanto veneno.
Lembro quão difícil foi conquistar cada parte até que pudesse ter seu coração por inteiro, mas na fraqueza, você se entregou, fácil e por completo.
Agora nem mais as palavras me restam. Eu poderia te dizer “fique forte”, mas temo que elas sejam levadas pelo vento, como tantas outras sopradas a destino algum, perdidas no tempo.
Eu fui um velho tolo, mas era o que também deveríamos ser, por crer em coisas banais que também fazem a vida, a pena, valer. Mas se é assim o que o destino escreveu, basta-me apenas me conter:
“É o meu caminho sozinho, novamente a se perfazer.”
Era um bar como os de antigamente. Aquela iluminação amarelada e mais fraca, lustres antigos, velas bem distribuídas, um palco de madeira e um barman atrás do balcão. Todos se vestiam como antigamente. Sentados, comendo suas porções, riam e conversavam animadamente. A música era tranquila e o aroma remetia aos velhos tempos.
Então, as luzes se enfraqueceram e o silêncio se fez presente. O piano substitui a canção de fundo enquanto o palco se ilumina, seguindo meus passos. Atentamente, a plateia aplaude e sorri.
Estou amarrado, “protegido” de mim mesmo em uma camisa de força, a boca vendada, mas com os olhos em cada um. Estou pronto para interpretar como assim me ordenaram. Estou pronto para desempenhar o papel que me foi imposto. Estou pronto para mostrar uma imagem construída de uma felicidade que disseram ser minha. Estou pronto.
Não, eu não estou pronto.
Eles querem ver ali no palco, a pessoa perfeita que eles não conseguiram ver, querem ditar o que deveria ser meu caráter, bagunçar minha personalidade e modificar meus princípios. As atitudem, são eles a classificarem, certas ou erradas, adequadas ou não. A minha voz, eles a calam ou aumentam conforme o melodia.
Eles também querem que eu seja eu mesmo.
Enquanto isso, vejo em seus rostos, os pássaros que ainda não se chocaram, as flores que ainda não desabrocharam. Eu vejo aquele relacionamento autoritário com a pessoa ao seu lado que você diz que ama. Vejo ela fazer exatamente o que eu sofri. E eu não posso te gritar isso, pois você está surdo. Eu não posso te mostrar, porque você está cego. Eu não posso te fazer gritar, pois você está mudo. Eu não posso fazer mais nada, pois não sei mais quem você é.
Como também não sei mais quem sou. Eu tenho uma voz a se fazer ouvir e sei que ela está dentro de mim, mas não sei como fazê-la fluir. Meu corpo arde em chamas com esse desejo e é isso que me liberta de minha própria camisa de força, que se queima, dando lugar às minhas asas que se abrem de forma vigorosa.
Eu posso cantar, eu tenho minha voz.
Alguns aplaudem, como se pudessem sentir sua própria liberdade, incentivados pela criança habitante de cada um, mas alguns ali não estão felizes, não querem perder o controle. O pássaro não pode chocar.
Os aplausos cessaram, repentinamente.
E eu só pude ver uma multidão apressada a ir embora. O espetáculo se finda aqui. Ou quase. Talvez um fio de esperança havia, quando alguns sorrisos eu recebi.
O piano enfim se calou, mas a chama apenas começava a se queimar.
Quando começamos a analisar uma situação por outra perspectiva, passamos a nos tornar mais racionais. Nossos olhos se abrem e, antes que o coração interfira, entendemos como uma relação passada teve bons e maus momentos e que durou o tempo certo. Saber que tudo tem seu fim é aceitar de forma madura que somos capazes de sentir, de nos impormos limites e de dizer, de cabeça erguida, que nem tudo foi feito para nós. E, assim, podemos seguir em frente e abraçar com afinco a nossa próxima jornada.
Olá, você se lembra de mim? Já faz algum tempo que nosso amor terminou. Claro que chorei, gritei, senti saudades e odiei seu nome. Por fim, os sentimentos se perderam. Voltei a viver. Acredito que tenha acontecido o mesmo com você.
Há algumas semanas, brincando com minhas memórias, lembrei-me de nossa história. Não, não estou pedindo um retorno, mas acho engraçado – e estranho também – de quando dizíamos que era tudo tão perfeito entre nós, quando prometíamos a eternidade ao outro, quando, com a voz manhosa, declamávamos o amor recíproco de outrora.
E aí, sem qualquer preparo, o destino rumou, distintos, nossos caminhos. O “nós” tornou-se o “eu e você”, distantes. Nossos corações não mais palpitavam em sincronia. Estranhos aos olhos do outro, partimos. Por um tempo, doeu. Depois, a solidão, apeteceu.
Embora nunca haja um porquê – ou assim o preferimos – tudo se acabou. Passamos a procurar novamente a nossa felicidade, pois ali já não mais cabia. Agora somos apenas história, de outras pessoas em outros lugares, de novos trilhos.
Eu só queria dizer a você uma última coisa. Lembrar-lhe como foi incrível estar ao seu lado. O que aprendi é algo que levarei pela vida. Eu aprendi a ouvir e respeitar você pelo tempo bom que tivemos. Os ruins se esvairão como a poeira, que não faço questão de carregar nem sob a sola dos meus sapatos.
Agora, finalmente posso partir, deixando para trás todos os meus rastros. A vida continua, independente de quem esteja comigo. A alma às vezes nos suplica que abandonemos aquilo que ela guardou tão profundamente, por isso dói tanto arrancá-lo dali. Mas, como as feridas, a alma se cicatriza e se permite pronta para a próxima. E a minha está.
Findo aqui, nesta carta, mais uma página, que o vento haverá de soprar.
Vejo teus olhos brilhando ao se encontrem com os meus, tão distantes, separados por uma tela de LED e por tantos quilômetros.
Toco meus lábios com meus dedos e fecho meus olhos. Ainda sinto o frescor dos teus. Como num espelho, tocamos a tela. Sinto o peito se agitar com esse teu calor.
A tela se escurece. A cama, espaçosa e solitária, repousa sob a luz fria do luar. O sono intranquilo me faz vagar pelas sombras de um sentimento doce. Os olhos se fecham, mas continuo acordado. Os momentos juntos não me permitem te esquecer nem por um segundo.
É como se já fizesse muito tempo. O aeroporto era testemunha de nosso último abraço, onde nossas lágrimas não se contiveram. Com um beijo, selamos nossa declaração de amor. Então, partiste, arrancando um bom pedaço de mim. E eu fiquei parado, observando, tentando entender a situação. Por quanto tempo?
Agora, deitado, olho pro teto. Não quero dormir, não sem que estejas aqui. Preciso de teu carinho e alento ou outro motivo para sorrir. E parecendo ler meu pensamento, sinto o celular vibrar, fazendo meu último desejo se realizar, quando um texto a declarar: “Quero você aqui”, me faz, ainda mais por você, me apaixonar.
Volta, por favor. A saudade precisa do teu remédio.
A beleza é criada quando o conceito transmite as qualidades da pessoa - força, criatividade, dinamismo, meiguice ou autocontrole, por exemplo - e quando a forma valoriza as características físicas positivas, expressa harmonia e é criada de acordo com os princípios de estética.