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Estranhos pelas ruas

Vim como um estranho para vagar pelas ruas, em busca de algum resquício de amor que possam me oferecer. Me prometeram que haveria algum por aí, mas vejo tudo cinza. Disseram que todos estavam prontos pra isso. Estavam? Pois o que vejo é indiferença espalhada pelas imensas obras monocolores de cimento impenetrados por qualquer afeto. 

Por que viemos espalhar amor se nada nos ensinaram? É um sentimento muito bonito para se compartilhar de qualquer jeito. Será que desistiram de seguir com sua missão? Será que é tão difícil para deixarem de se importar tão facilmente? Receberam em mãos uma quantia tão boa, mas deixaram-na se esparramar como areia, sem abraçar ninguém. 

Caminho sem esperanças por aí. Talvez alguns de nós tenha desistido por sentir que é tudo em vão. Eles não se importam com algo tão simples, é só detalhe. Correm por aí como loucos, por sempre estarem sem tempo. E o que fazem que o gastam tanto? É possível viver com sossego? 

Mas, mesmo que eu não encontre aqui nas ruas, há um pouco em meu peito, de estranhos, como eu, que me encontraram pelas ruas e seguem a meu lado para colorirmos um pouco o chão cinza com esse sentimento. E eu sorrio por terem me acolhido, mesmo conhecendo meus defeitos. Não precisa de muito, basta priorizar o respeito. 

Sente-se e espalhe o que você tem de bom aí dentro. Somos estranhos pelas ruas, espalhando cores pelos cinzas em forma de concreto. 

Image by min woo park from Pixabay

O Vazio de Anos

A rotina era a mesma. Eu continuava a morar na mesma casa já há mais de 10 anos. Como todos os dias, acordo às seis horas da manhã, escovo meus dentes, tomo meu banho, coloco meu uniforme de trabalho e tomo meu café. Olho para frente, vazio.

Às sete, tiro meu carro da garagem, vou para o serviço. Chego faltando cinco minutos para às oito. Trabalho, meus colegas estão ali para me ajudar e, vez ou outra, jogar uma conversa fora. Ao meio-dia, almoço. Volto à tarde. Antes das dezenove, estou em casa.

Chego em casa cansado, mas ainda coloco uma roupa leve para fazer uma corrida na rua. Depois de meu exercício, volto para casa, tomo um banho, preparo o jantar. Na mesa, dois pratos. Olho para frente, vazio.

Uma troca de meias palavras, mas o olhar segue vazio. Alguém à frente, mas continua vazio. Dez anos morando na mesma casa, mas há algum tempo, ela já seguia vazia. O silêncio reinava em minhas noites e em meus dias. Eu me deitava na cama, virava pro lado e apenas dormia.

Somos duas pessoas estranhas sob o mesmo teto, mas estranhos, compartilhando a mesma rotina. O anel de ouro diz que somos casados, mas o coração diz o contrário. Há um vazio tão profundo que não perturba.

Tudo continua como sempre, mas o amor foi embora há tanto tempo que já não me lembro quando foi. Deixamos ir e não resgatamos o que era nosso. Agora é tarde para voltar. Não há carinho, não há sentimento, não há amizade, não há troca de olhar. Só há um silêncio em que ambos preferiram adotar.

Tudo está tão cômodo que penso em continuar assim como estamos. Não foi o que pedi, mas não tenho outros planos. Assim sigo, vazio, com alguém que me é estranho. Seria este o caminho que escolhi ou o caminho que deixei ficar?

Anacrônico

Imagine uma jovem moça que acabou de sair de sua comunidade e se mudou para uma pequena vila distante, onde todos são tão estranhos de você. Eu estava acostumada com uma vidinha tão simples, com tantas pessoas que conheço e agora estava aqui, num lugar diferente, com outros rostos, outros costumes, outro estilo de vida.

Todos nesse lugar se conheciam, mas não me conheciam. Os olhares se voltavam para mim frequentemente se perguntando: “Quem é essa garota que se veste tão distinta a nós? Que olhar tão vulnerável é esse que nos está presente? De onde poderia ter saído?”

Eu não os via como iguais e eles não me viam como normal. A chegada de um ser estranho lhes remetia a um medo tão grande que acredito que poucos ali, de fato, ouviram minha voz.

Mas o que me deixava intranquila era a forma como eu era julgada. Eu não precisa mostrar o que eu pensava, nem ninguém se arriscava a me conhecer profundamente. Eu era um livro raso, examinado pela capa que eu não podia ocultar – a menos que pudesse não mais sair de meu, e detesto dizer isso, novo lar.

Tudo em mim era estudado: Desde minhas roupas, ao meu olhar, à forma como penteio meu cabelo, se meus sapatos estão sujos ou se prefiro comprar o Disco Y ao invés do X – “e nem ouse reclamar se estiver em falta”.

Sim, sou a mesma pessoa, mas o meio me força a uma adaptação, de uma maneira ou de outra, mesmo que minha raiz vá de encontro a essa porta que não se abre pra mim.

E, mesmo que sempre haja outras escolhas, a primeira, e única, era que tudo se deve aceitar, já que “poxa, você tem que ser como todos nós, assim fica mais fácil de a amarmos. Não seja essa garotinha tão rebelde, como se quisesse mudar o mundo. Venha, há algumas lições que você precisa aprender, todos vão gostar de você. Tenho uma roupa que lhe cabe direitinho, todos vão amar seu novo look. Ah, mas você não pode falar nem agir assim, que tal mudarmos tudo isso pra você se tornar alguém melhor? Você terá muitos novos amigos”.

Claro que terei, claro que todos me amarão, serei como eles. O que me resta? Talvez, o modo mais fácil de encarar tudo isso seja caindo em uma overdose desta nova realidade em que, sozinha, não sou capaz de mudá-la por completa.

Só que não estava entre minha lista de anseios me guardar tão profundamente em mim. Outra história que poderia ter outro final se antes, sentado ao meu lado, pudessem ter embarcado na minha história, de cultura tão diferente e de tão rico conteúdo, mas de que vale se o exterior é mais importante?

Então, abra sua cabeça! Iremos penetrá-la com nossos conceitos, para que você deixe de ser mais uma velha fora de moda. Não precisa resistir, não vai doer nem um pouco, não se preocupe”.