Arquivo da categoria: Lápis e Borracha

Por um instante, travei

É difícil suportar uma dor quando não se entende ao certo o que estamos sentindo. Entretanto, algo me diz que tenho uma leve ideia quanto a isso.

Abro meus olhos e me vejo numa pista de corrida. Meus adversários correm, me ultrapassam e focam em seus objetivos. Tento sair do lugar, mas minhas pernas estão completamente travadas. Avançar ou retroceder não é agora uma opção. Todos os meus pensamentos pairam sobre mim.

Ouço vozes ao fundo. Não, eles não estão zombando, estão gritando em meu favor. Desejam minha inalcançável vitória. Sim, sei que em algum lugar dentro de mim há uma voz acreditando em minha capacidade, mas eu, sinceramente, não consigo. O pavor e a aflição dominam meu ser e põem em xeque minhas estruturas.

Parece-me inútil continuar ali. Talvez a competição não fosse a verdadeira questão dos meus problemas. Entenda, por favor. Permita-me desabafar sobre meus lamúrios. Meus sentimentos precisam sair de mim. Eu não quero estar ali, eu não quero ser mais um nesse desafio. Aquilo não é pra mim!

Não, ninguém para. Todos querem vencer esta corrida. Somos incentivados a bater metas, a dar o nosso sangue, a devorar um leão por dia, mas ninguém de verdade se importa em perguntar se é ali que queremos estar.

“Todos passam por isso, todos precisam enfrentar, você acha que muitos não estiveram em seu lugar?” Sim, sei que não sou o primeiro, mas será que alguém pode parar por um minuto pra perceber o que tem acontecido de verdade?

Eu sei que sou capaz de muita coisa, mas, nesse momento, estou travado, parado, estagnado, refletindo se tudo isso realmente importa. Odeio pensar demais, pois fico tentando descobrir se vale a pena e, ao fim, sinto que continuo ali, no mesmo lugar, naquela pista, onde não sei avanço ou retrocedo.

Amor não-correspondido machuca

− Cara, aquele dia foi hilário! Pensei que você tivesse quebrado o braço quando caiu daquela ponte.

− Também, o Matheus não parou quieto! Parece que não sabe beber.

− Amadores, Amandinha! Sabe como é!

− Sinto dor só de pensar nisso.

Todos riram. A noite estava ótima entre meus amigos. Relembrávamos certa vez em que estávamos num parque, tirando foto e bebendo, além de fazer certas “macacadas” no playground, nas árvores e até na ponte, onde eu tomara um belo tombo que me fizera parar no hospital. Nunca bebera tanto!

De repente, sinto meu celular vibrar no bolso. Logo perceberam minha expressão séria. Era uma mensagem curta do meu melhor amigo que dizia apenas “volta pra casa”.

− Qual foi, babaca?

− Vinícius. Tem alguma coisa errada.

− O que ele tem? – perguntou Amanda, a única agora preocupada no grupo.

− Ele não disse. Deve ter acontecido algo.

− Ah, bobagem, cara! Seu maridão só está com ciúmes de você estar aqui! – dizia Renato, em certo tom de brincadeira.

− Renato, se você não tem nada sério a dizer, fica calado. Ele não mandaria uma mensagem dessas pra mim à toa.

− Ih! Olha lá, ficou nervosinho.

− Renato, fica quieto! – gritava Amanda.

− Tudo bem se eu te levar? Você bebeu muito e parece estar aflito – perguntou Fernando, preocupado.

− Tudo bem, eu vou com cuidado. Vejo vocês mais tarde!

− Se cuide! – Disseram em coro.

Cuidado. Chega a ser um pouco engraçado. O coração estava acelerado e o álcool corria em minhas veias. Poderia ser um perigo para qualquer transeunte dali. Normal era, de longe, tal situação. E eu sabia que ele não estava em casa, pois passaria a noite com a namorada. Então, qual seria o problema?

Estaciono em meu destino, mas não encontro a chave em meus bolsos. Com todo o meu desespero, celular, chaves, carteira e papeis caíram na grama. Abaixei-me de forma tão súbita que quase desmaiei ali mesmo. Minha visão ficara turva e minha cabeça começava a girar. Tentei me acalmar, contando até dez. Respirei profundamente repetidas vezes, segurei forte meus pertences e me levantei. Calmamente peguei minha chave e abri a porta. Joguei tudo que tinha numa mesa ali próximo. Eu precisava de água.

Então, caminhei próximo às paredes, acendi as luzes da cozinha e fui direto ao filtro de barro tomar uma água. Tomei devagar, respirei fundo e fechei meus olhos. Os sentidos já estavam quase todos em seu lugar. O silêncio do lugar então foi interrompido por uma espécie de choro. Ali, debruçado na mesa, segurando um copo vazio e próximo a uma garrafa de vodka pela metade, estava meu amigo.

Aproximei-me devagar. Sentei-me em uma cadeira de frente à dele, peguei o copo de sua mão e a segurei, forte. Devagar, ele levantava sua cabeça. Seu rosto estava inchado, coberto de lágrimas. Preocupado, eu me segurava para não demonstrar mais aflição do que já sentia. Ele não parava de chorar.

− Tudo bem cara, já estou aqui.

Por alguns instantes, ficamos ali olhando para o outro. O silêncio o reconfortava. Seu choramingo ia se desfazendo aos poucos. Quando ele estava mais calmo, comecei a lhe perguntar em um tom brando.

− Você chegou assim que me mandou a mensagem?

Ele acenou positivamente com a cabeça.

− E você estava na casa da Melissa?

Ele acenou novamente.

− Tudo bem entre vocês?

Não houve resposta.

− Tudo bem?

Ele voltava a chorar. Enchi um copo de água e pedi que ele tomasse devagar. Entre um gole, uma lágrima e um soluço, ele ia contando.

− Você deve estar cansado de ouvir minhas reclamações sobre nosso namoro, Matheus…

− Me conta o que houve…

− Ela sempre joga na minha cara o cafajeste que fui no passado, ela fica me julgando pelo meu tempo de solteiro, que eu bebo demais, que eu sempre estive rodeado de mulheres, que sempre estive em balada, mas ela não entende que isso foi na minha época de solteiro.

Eu ouvia atentamente cada palavra aflita sua.

− Ela insinua que eu sou o mesmo de sempre, vive me enchendo de indiretas, não pode ver uma mulher bonita na rua que fala coisa do tipo “aposto que se eu não estivesse aqui, você estaria correndo pro rabo de saia dela”.

O tom de Vinícius era cada vez mais alto, mas eu não o interrompia.

− Matheus, ela não entende que o que eu sempre busquei foi um relacionamento sério, que aquilo foi uma fase em que eu não tinha ninguém, mas ela insiste em dizer que eu não presto. Se ela não teve bons relacionamentos passados, por que então eu que tenho que carregar essa cruz?

Posso nunca ter tido um relacionamento e todas as vezes que tentei algo com alguma garota foi frustrante, mas ver meu amigo daquele jeito me trazia tanta carga negativa que eu era capaz de sentir aquilo totalmente em mim.

− Todos os dias eu mando uma mensagem pra ela perguntando se está bem, todos os dias eu pergunto se ela quer sair comigo a noite. Todas as noites eu digo que a amo. Sabe quantas vezes ela já fez o mesmo por mim? Nenhuma! Eu não recebo um carinho sincero, se faço uma brincadeira, ela emburra. Matheus, até com meus amigos eu tenho deixado de sair. A maioria tem reclamado que me distanciei demais.

− Até de mim que moro na mesma casa. Às vezes sinto como se tivesse perdido meu irmão.

− Vê só, Matheus? Tenho feito muitos sacrifícios por ela e qual minha recompensa? Ouvir todos os dias que eu não presto, que sou a mesma figura do meu passado, que não mudei nada, que estou apenas brincando com o sentimento dela. Isso vai me perseguir pelo resto da vida!

− E você continua com ela porque é trouxa.

− Eu nunca a proíbo de sair com as amigas, já falei pra ela sair de casa pra ver se para com toda essa paranoia, mas ela só fica alimentando esse sentimento negativo dentro dela. Ela foi capaz de espiar até a rede social dos meus amigos pra saber com quem eu ando. Eu já disse que a levaria comigo, mas todas as vezes que ela vai, ela fica calada, não diz uma palavra e, ao chegar em casa, fica brava comigo, fala que não quer sair mais porque diz que não dou atenção a ela.

− E você faz isso?

− Claro que não! Os amigos ainda ajudam a enturmá-la, mas ela fecha a cara e “finge que eu não estou aqui”.

− Por que você não larga dela então?

Silêncio.

− Não me diga que você se apaixonou profundamente por ela.

A resposta novamente veio como aceno.

− Vinícius, mas não tem nem três meses e ela nunca te disse que te amava.

− Eu sou do tipo que entro de cabeça num relacionamento e você sabe disso, mesmo que a outra pessoa não corresponda.

Dessa vez, quem não tinha resposta era eu. Algo em meu íntimo já dizia que aquele relacionamento não iria para frente, devido às reclamações que ele às vezes me fazia, mas o que eu poderia fazer se ele não me escutava por estar cego?

− Tome um banho e descanse um pouco. Amanhã continuaremos a conversa.

Talvez tenham sido o cansaço e a bebida o fizera hibernar rápido. Não posso dizer o mesmo de mim. A preocupação com meu melhor amigo me dominava. Não poderia permitir nada daquilo.

Amanheceu, mas preferiria que não. Por sorte, era domingo. Na TV, um gato perseguindo um rato distraía um pouco meu brother, sentando num sofá sujo de cereais, usando apenas sua bermuda de super-heróis favorita. Chegava a ser engraçado pra mim, aquele ser tão maduro, cheio de conselhos e experiências de vida, demonstrar seu lado infantil de forma tão desprendida. Não, ele não se importava.

− Bom dia!

− Bom dia!

− Podemos conversar?

− Claro.

Sentei-me na mesinha de centro para poder ficar de frente a ele. Tirei a tigela de suas mãos e comecei a conversa já em tom sério.

− Sempre que tenho algum problema, você me diz que devo erguei minha cabeça e seguir em frente. Eu começo a reclamar e reclamar e reclamar e a única coisa que você me diz é “abra um sorriso e enfrente”. Você me conta sobre situações que você já viveu e isso acaba por me acender uma chama. No final, tudo dá certo.

Ele respondeu com um sorriso.

− Entretanto, o cara que eu vi chorando sobre a mesa ontem está longe de ser o mesmo cara que me diz essas coisas. Eu vi alguém fraco que se deixou derrotar por um problema que poderia se resolver facilmente.

Ele prestava atenção em silêncio.

− Eu te conheço há muitos e muitos anos. Você praticamente me viu nascer. Sempre vi uma pessoa cativante, que carrega a felicidade para todos os lugares, que é sempre alto-astral, apesar de algumas vezes querer brigar com todo mundo, − rimos nessa parte − mas é sempre muito amigo e sempre quer o bem de todos. Você mesmo já me defendeu de inúmeras situações e até já comprou brigas por mim, alguma coisa que eu, com certeza, nunca irei me esquecer.

Vinícius apenas concordava com a cabeça.

− De uns tempos pra cá, depois que você começou a namorar essa moça, você tem se tornado outra pessoa. Fica no quarto trancado por um bom tempo e quando não sai, está sempre pelos cantos, calado e triste. Não sai mais com os amigos, mal fala comigo, mal fala com ninguém, não tem prestado muita atenção nas aulas da faculdade. Enfim, tem se distanciado cada dia mais. Das poucas vezes que fala, é pra reclamar do seu relacionamento. Exatamente as mesmas coisas que você reclamou pra mim ontem. Ou seja, um relacionamento que não evolui em nada.

Os olhos de Vinícius começavam a se encher de água.

− E não sou só eu que tenho observado isso. Alguns amigos nossos têm reclamado que você se distanciou tanto que uns até me perguntam se você chegou a mudar de cidade. Eu tenho notado seu bom-humor se despencar de uma forma que eu mesmo tenho me questionado se estou morando com o mesmo cara do ano passado.

Uma lágrima se desprendeu.

− Esse relacionamento está te prejudicando muito, está te sugando, está fazendo você ser quem você nunca foi. Eu não te reconheço mais, eu não sei nem dizer se ainda somos amigos. – Meu tom de voz se elevava − Caramba, cara, eu sei que você está muito apaixonado, mas você já parou pra pensar se é mesmo esse tipo de relacionamento que você busca pra passar o resto de sua vida? Você acha mesmo que algum dia ela vai virar pra você e dizer: “eu fui uma tola, eu deveria ter confiado em você”?

Vinícius já não conseguia olhar para meu rosto e sua respiração começava a ficar ofegante.

− Sinceramente, quem perde é ela pela pessoa maravilhosa que você é. Talvez, mas só talvez, ela se arrependa de não ter te dado valor, mas sabe-se lá quando isso vai acontecer. Até lá, a fé que você tem no amor poderá se desaparecer para sempre.

Dei uma pausa para que ele pudesse digerir minhas palavras com calma.

− Você reclama que ela não te dá amor, reclama que não recebe carinho, reclama que ela só reclama. Pelos céus, homem! Eu percebo que você já está todo machucado por dentro. Aonde você pretende chegar?

Comecei a chacoalhá-lo.

− Reaja, meu caro! Eu não quero ver mais nenhuma lágrima escorrendo por conta dela. Algumas pessoas não valem nem meias lágrimas e você aí desperdiçando as suas. Pense mais em você, seja mais egoísta, para de se preocupar com ela. Tenho certeza de que a hora que você disser que acabou e der as costas, rapidamente ela encontra outra pessoa e nem se lembrará mais do seu nome.

− Tem… toda… razão… – Ele suspirava.

Soltei-o. Levantei-me, pus a mão no rosto e levantei o dele. Fechei os olhos e falei calmamente:

− Você vai se aprontar, ir até a casa dela, dizer tudo o que está guardado aí e resolver de uma vez a situação de vocês. Não retorne com nenhuma incerteza. Saia, dê uma volta, esfrie a cabeça e volte. À noite, conversaremos.

Ven

Um quarto vazio, exceto por uma corda em forma de arco e um banquinho de madeira. É onde estou agora. As cortinas alvas transparentes balançadas pelo vento. Um dia ensolarado, folhas dançando lá fora, pássaros assoviando e um céu alaranjado com poucas nuvens. É um belo dia – lá fora.

Aqui dentro, um vazio – no quarto. Aqui dentro, um vazio – em mim. Conflitos e uma insegurança da própria natureza. Ódio, rancor, raiva, náusea. Tanto sentimento ruim dominando meu ser.

Antes, tentei esbravejar, bradar, mudar, mas quem deu ouvidos? Agora é um pouco tarde. Eu, simplesmente, desisti. De tudo. Tanta podridão que meu grito logo desaparece. Pra mim, já chega.

Já não me importa se o mundo é dividido em classes ou em orientações, em religiões ou partidos políticos. Já não me satisfazem os amigos que pensam em me tirar algum proveito e namoros que só desejam sugar meu dinheiro. Não sei mais fingir que está tudo bem.

Cada um olha apenas para si e não se importam mais em mudar. Ter defeitos passou a ser legal. “Eu sou assim e não tenho que mudar. Aceite-me como sou!”. Preocupam-se apenas com seus próprios ideais. “Ignore!”. Ignorar? Claro, vamos deixar tudo maravilhoso como sempre esteve.

Tenho meus problemas, mas ninguém de verdade se importou em ouvi-los. Não importam se algo me faz feliz ou triste. “Você tem que começar a…”, mas nunca me perguntam como realmente me sinto com tudo aquilo. Basta-lhes apenas ser útil em alguma coisa para eles, apenas ao seu bel-prazer.

Tenho nojo deste mundo. Tenho nojo de todos, tenho nojo de tudo, tenho nojo de mim mesmo. Estou tão infectado. Pareço-me tão sujo. Não sei mais quem sou. Aqui já me fizeram de posse e isso me horroriza, me martiriza: Pertencer-me ao mesmo lugar de meus pesadelos.

Ouço o som da harpa vindo de uma luz branca. Ela está me chamando. “Venha, segure minha mão e vamos partir, seu tempo se esgotou por aqui. Comigo, você voltará a sentir um ar de esperança.”

Agora querem me ajudar, mas é tarde. Não tente me segurar. Saia já de perto de mim, você mente! Sinto-me tão só, mesmo com tanta gente ao redor, tantos que jamais agregarão à minha vida.

Não há mais motivo para estar aqui. Nada mais me importa. E nem vá chorar por mim agora, pois já é tarde para isso. Seus conselhos já não me valem de nada. Basta de sofrimento.

Aproximo-me do banco, subo. Olho por um instante aquela corda, a visão turva e molhada. Sinto o líquido transparente e gelado descer por meu rosto, coração batendo acelerado e algo em volta do meu pescoço. Por apenas alguns instantes, o banco permanece de pé. Ouço a porta ranger ao abrir, o corpo de madeira daquele pequeno objeto bater no chão frio, o grito desesperado do meu silêncio e uma voz me chamando alto.

Através deste vidro

Há algum tempo que te observo através deste vidro. Parece uma eternidade teu sofrimento. Já se tem passado um bom tempo desde o início de tudo isso. 

Penso em te perguntar sobre teus pensamentos, mas as palavras não me saltam da boca, pois sabe que não existe uma resposta simples. Sentimento tão confuso, até mesmo para teu ser. 

A joia da confiança se quebrou e a esperança se esfumaçou. Olhos lacrimejando por um mundo que não existe, outro que não é teu. “O que faço por aqui?” 

Mundo vazio ao qual não pertences. Com todos aqueles manequins e aquele dinheiro que nunca terás. Busca compreender porque o mal prevalece por tantas coisas que jamais levaremos. Se aqui está, daqui não sairá. 

Tudo tão certo para eles. Crenças como alicerces, um álibi para julgar um irmão. Pensamento que se molda de tantas formas para destruir o que outro irmão também construiu. Um carro na mão, um pouco de álcool no sangue e sou capaz de matar mais um irmão. 

E eu tenho te observado por este vidro há algum tempo. Se todos são assim, por que te sentes tão deslocado? Um vínculo a este mundo te faz igual a todos estes. 

Teus olhos, frente a uma bela paisagem, apenas observam o que está dentro de si, contradizente. Por mais que você diga não, se sentirás culpado. Os dedos te apontam todo o tempo, “seu fraco”. O mundo todo está contaminado e não haverá vacinas “nem para ti. Não insista.” 

“Eu te protejo de tudo. Aqui não é tão ruim, portanto não te mantenhas em defensiva. Abre mão de teus princípios para poder viver bem. Não transformes em rocha teu pensamento tão hostil. Somos bons, permite-nos uma só chance.” – e à insistência disfarçada de doces canções, acompanha-se o punhal. 

E daí se faz o conflito interno. Abrir mão de quem somos, usando máscaras e vivendo uma felicidade que apenas nos cobre impenetravelmente ou amargarmos num interior abraçados pela solidão incompreensível? Eu não saberia descrever esse sentimento distinto à realidade frente a meus olhos marejados e incuráveis pelo tempo. 

E tu apenas te sentas de costas para essa parede de vidro, esperando teu corpo parar de sangrar. Quanto tempo ainda há se de aguentar? Parece uma eternidade, mas há algum tempo que tenho me observado através deste vidro.

Foto de Download a pic Donate a buck! ^ no Pexels

Unstoppable

Talvez força não seja qualidade predominante de alguém “forte”.

Em todo canto, pessoas cercando a cada movimento, no ensejo de obter aquele ar de segurança tão invejado.

Forte por fora, amedronto por minha figura sólida de postura rígida. Pedido transformado em ordem ao decréscimo de um semitom, uma leve pausa e um olhar de desprezo.

A obra se faz de um conjunto: o vestido longo, os incríveis 1,90. Pintura de mulher fatal desfilando sobre 15 centímetros de salto.

A pergunta se repete: “Como pode ser tão perfeito?”. Provoco. Admiração que faz tão bem. De admirados para meros lacaios. O bico fino pisa e esmaga até que a mão ceda o desejado. Poder, o maldito permitindo ter o que quero, quem quero e quando quero. Não há o que se negociar.

Asas negras de um demônio vistas apenas como as brancas de um anjo. O defeito que todos desejam ter. O espírito sanguinário que você já pensou em ter. A vilã aclamada e incontrolável.

O que ninguém sabe, guardo no mais profundo íntimo. O pior defeito, mas a melhor qualidade. Você vê meus óculos escuros, mas não a lágrima caindo ali dentro. Consciência de tudo estar errado. Culpa. Não, você não precisa vê-la escorrendo.

Aquela mulher fria carrega em si a menina solitária que você não conhece e nunca o fará. A menina que pede socorro com gritos muito bem abafados. A mesma menina, que nas noites mais frias e sombrias, chora para seu travesseiro. Corroída pelo Mal que não pode ser derrotado e que vem tomando conta de cada pedaço bom que ainda lhe resta.

E é esse mal que te inspira a sê-lo (e aos poucos toma conta de seu ser…).

Um Gesto Qualquer

Contrário ao velho ditado “Antes só que mal acompanhado”, ouço de minha prima que “a gente se acostuma a viver com a pessoa que está”.

Relacionamentos vazios, implantando a rotina, tornam-se normais. O que importa de verdade?

Conto-lhes o que a esta disse certa vez que, frustrada em meu ombro direito, pôs-se a reclamar por estar com alguém que pouco lhe despendia atenção.

Reflita comigo: Estou em um relacionamento agradável?

Olhe seu parceiro neste instante. Qual seu papel? Qual sua prioridade? Futebol, sexo e filmes de ação são as únicas coisas que lhe importam?

Solidão te impõe medo? Essa relação deveria te assustar mais. Quantas noites mais você pretende aguentar?

Você se queixa e sempre das mesmas coisas, todos os dias. Ele apenas “dá de ombros”. “Calma” e tudo volta ao normal. E assim, segue…

Você não o ama de verdade, você apenas se submete às suas vontades. Ele te dá carinho e o amor para conseguir o que quer. Quando não importa mais, você lhe abre um sorriso e lhe pede que estenda uma mão. Mendiga um gesto qualquer que ele ignora. Nada lhe importa mais. Talvez te procure amanhã para mais do mesmo.

Entenda sua situação e não se humilhe. O papel de um não pode ser apenas provisão. Respeito, cumplicidade, companheirismo. Ei, você sabe o significado dessas palavras?

Agora, me responda: É isso mesmo o que você quer para toda uma vida?

Sarah Smiles

Um pequeno cigarro de palha em minha boca, quase a seu destino. Ela em seu cavalo a trotar (imagine uma tão bela mulher em seu vestido provocante). Eu, bota, calça, uma fivela e meu chapéu de cowboy. Puxo meu cavalo e vou.

Essa é Sarah. Ela me notou, deu um sorriso, mas insistia em seu trote. Por onde ela ia, eu seguia com minha montaria.

Com seu olhar, me provoca. Uma corrida a galope é tudo que ela me pede em seu sorriso. Retribuo com o meu. Seu quadrúpede aumenta a velocidade e me faz ter a mesma reação. “Oah! Pangaré, que essa donzela vai ser minha”.

Sarah é o tipo de mulher que quer os homens a seus pés. Todos a seus pés e ela aos de ninguém. Dona do própria destino e detentora do mais belo e provocante sorriso. Essa é Sarah, tão frágil quanto um coice de mula.

Eu, que me importava com minha própria vida, sentado na varanda de casa, esperando o céu cair, mudei o rumo da própria prosa, quando subitamente, apareceu. Meu destino está com ela, mesmo que ela ainda não saiba.

Sarah me desafia com o rastro de poeira e adentra num daqueles Saloons de faroeste. Todos sabem que ela gosta de dançar e beber mais que qualquer xerife destas terras sem lei.

Ela e suas amigas estão agora no balcão, dançando sem pudor. Amarrei meu velho amigo ao lado do dela e não pude deixar de notar todos aqueles pistoleiros hipnotizados por sua estonteante beleza. Todas eram maravilhosas, mas o sorriso de Sarah tinha um “Q” especial.

Sarah sabe provocar. Dá-nos uma piscadela, salta do balcão e me puxa para um beijo. Tudo tão rápido que só me dou conta quando, em meio a palhas, sou rodeado com tantos olhos masculinos de inveja. Ela já não está mais naquela taverna. E, obrigado a correr, para não ouvir o grito daquelas pistolas farejadoras de sangue.

Ah, Sarah! Continue a me provocar. Meu destino está com você. Algum dia seu sorriso estará preso a meu laço e estaremos de volta para casa no galope de um mesmo cavalo.

Miss you love

Poltrona M-17. Centro. Muitos à frente, tantos atrás. Poltrona solitária em uma fila dominada por jovens. A sala aqui fora, cheia. A sala aqui dentro, vazia. Uma gota na calça.

Na tela, um casal apaixonado, mas eu só vejo um cara no chão, chorando. Esse sou eu, aos pés de tantos apaixonados aqui. Eu deveria estar como eles, no entanto, brigo com a própria dor.

Um milionário me disse uma vez que é preciso saber ganhar o que se almeja ter. Não basta tê-lo. Ele me disse que perdeu toda a sua riqueza, pois não sabia como administrá-la. Era milionário pois tinha tanto dinheiro, mas nunca foi um de verdade, pois não soube mantê-lo por tanto tempo.

E assim fui eu, quando conquistei seu amor. Por um instante, por um sorriso tão maravilhoso e um coração tão bondoso, senti-me milionário. Mas nunca fui. Riqueza essa que jamais fora de posse minha.

Por um instante, mantive em mim o que nunca foi me pertenceu. Por algum tempo, você tentou ficar e me fazer entender que seu sentimento era puro e verdadeiro. O entendimento nunca me veio. Estar ao meu lado era o único motivo que acreditava bastar para havermos o “nós”. O “nós”  que nunca existiu.

Você me amava. Eu não te respeitava. Quem aguenta viver assim? Com certeza, você não! Tão singela partiu e me deixou. A princípio, pensei que fosse qualquer drama seu, mas você nunca mais voltou.

Em algum momento, sei que te fiz chorar. Agora choro, choro pois eu mesmo me fiz chorar. Sinto sua falta. Falta de ser aquele milionário, detentor da riqueza de seu amor.

Agora estou só, sentando nesta poltrona solitária, assistindo a um filme de amor, com um final feliz. Um que eu não tive e nem serei capaz de ter. Sou só eu e a dor. E uma gota tímida em minha calça jeans.

Alive Again

Um sapato no degrau, outro em terra firme. Um novo show a começar. Minhas pernas tremem. Meu estômago luta contra suas borboletas. A plateia em silêncio. É minha hora.

A última vez que estive aqui, tropecei e caí. Machucado por um forte tombo. Alguns preocupados, outros em meio a lágrimas – de risos. Não avistei mais nada, a não ser minhas mãos tapando meu rosto vermelho.

Foi um trauma. Com um pouco de medo, não quis regressar. Quase desisti. Em meio a prantos, pensei em partir. Seguir outros rumos. Abandonar quem eu era.

E então, uma luz brilhou em meu ser, pedindo-me uma nova chance. Aqueles olhos negros acompanhados de um sorriso, suplicando, com delicadeza, aquele meu velho ser. Suspirei e sorri. Indaguei: “quem sabe, desta vez?”

Chega a ser engraçado quando tentamos novamente, não é mesmo? Por sua causa, que me estendeu as mãos e me prometeu que tudo ficaria bem, resolvi reabrir meu coração. Agora escuto seu sussurro de que “tudo ficará bem”, pois ganhei sua companhia.

Seguro firme sua mão esquerda pertencente ao mesmo lado de nossos corações. Sinto a batida quando a toco. Sim, posso sentir novamente que estou vivo.

Uma dádiva sentir-me vivo novamente, por sua causa. Sinto a chama renascer em mim. Sei que tudo vai estar bem, que agora estarei bem e tudo ficará bem, pois você me faz sentir bem.

E isso é o que importa agora.

Up & Up

Dirigindo há algumas horas por esta estrada quente, onde o sol cobre nossas cabeças de forma tão escaldante, procurando pela água que nosso corpo exige e transpirando de tal forma que nossos rostos chegam a chover suor, dois corações partidos seguem viagem em busca de chuva.

O corpo já não aguenta toda essa pressão que o calor provoca. Estamos sendo guiados pelo carro, mas nem sabemos para onde esta estrada vai nos levar. Pode ser que o motor não aguente, pois o calor ataca sem piedade. Não há sinal de chuva, não há sinal de água. Não há um mapa ou guia. Somente dois amigos sem direção e um carro desgastado pelo tempo.

Por que machuca tanto? Por que esse sol tão forte? Será que não podemos ter um dia maravilhoso de chuva para despertar nossos ânimos? O corpo precisa de um tempo para se cicatrizar. Estar pronto para uma nova onda de mormaço. Só precisamos de um pouco de chuva.

Nem mesmo o canto dos pássaros se ouve mais. Talvez eles tenham se cansado de tentar. Perceberam que sua cantoria havia sido em vão. Não há mais motivos para a alegria. Dói. Dói. Preciso de chuva. Preciso de um pouco de água. Chego a me deitar sobre minhas pernas por desespero.

E quando essa dádiva inunda nosso locomotor, saímos um pouco para refrescar e costurar um pouco das feridas. A chuva é necessária, mas cruel, pois nos alimenta, nos sacia e se vai de repente. Quem não está acostumado sofre, pois tão pronto volta o sol e se adentra em nossas cicatrizes. Machuca. Somente quem já se expôs a ele entende minha dor.

Entenda que não é fácil, mas estamos juntos. Conseguiremos. Um pouco saciados e já podemos continuar. A trilha é longa, durará mais alguns anos e não dá pra desistir. Encarando nosso destino, o horizonte não se encontra perto, mas é nosso objetivo maior.

Se encontrar alguém pelo caminho, não feche sua mente. Use seu poder para que entenda, a quem quer que seja, que o sol pode ser nosso amigo e parar de nos queimar. Se refletirmos por uma fração de segundo, ele e a chuva podem se fazer em harmonia e nos dar um belo arco-íris. Nem só de vitórias que se vive. Cada aprendizado, uma nova conquista.

Pra cima é quem iremos mirar. Nosso “amigo” vermelho e laranja não poderá mais nos tocar. Os pássaros continuarão a cantar e as flores se desabrocharão. Para mim, para você, para todos nós. Não há motivos para sofrer. Não mais!

Dirigindo sob o sol escaldante, a procura de chuva para banharmos nossos corpos tão cicatrizados, pensamos em como nossos corações algum dia pode dar outra chance para o amor. A dor te faz querer dar um basta. Não pra mim. Não devemos desistir tão fácil dele. Acredite nele. Acredite no amor.

Por favor, nunca desista!

Cadê o din din?

Mas cadê o din din?
Não tá nos bolsos…

nem na carteira
nem na bolsa
nem na C/C
nem na C/P
nem na LCA
nem no RDC
nem em lugar nenhum do mundo!

nem debaixo do colchão
nem plantado no jardim
nem enterrado no quintal
nem na cueca daquela turminha
nem naquele famoso lava-jato.

nem nos distritos
nem nas facções
nem no banco gringotes
nem nas estrelas
nem no quarto de jogos do Grey
nem na vida, no universo e tudo mais

nem nas Galáxias
nem na terra dos Hobbits
nem na Estrada da Noite
nem nos teoremas por aí
nem nas cidades de papel
nem no Alasca
nem em Forks
nem na arena dos Jogos Vorazes

Cadê o dindin?
Não está em lugar algum.

Loucura escrita com Bianca, entre uma vitrine e outra.

See you again

Caramba! Quanto tempo já se passou, não é mesmo? Parece que meus dias têm se tornado mais longos ao decorrer do ano. É estranho voltar a essa vida, agora tão sem graça sem sua companhia.

Ainda me lembro de como nos conhecemos. Numa pequena loja, onde curtia um som, você surgiu com sua educação inconfundível. Também queria saber o que eu escutava e pediu algumas dicas. E aí, começamos a conversar e descobrimos tantos gostos em comum.

O tempo foi passando e nossa amizade crescendo. Nossas caminhadas, nossas viagens, os passeios noturnos pela cidade, até as jogatinas viradas pelas madrugadas. Recordações que sempre vou guardar com tanto carinho.

Tivemos tão grande amizade que adotei sua família como minha e você, a minha como sua. Irmãos, como nos considerávamos. Era mais que impossível não estarmos juntos, era inadmissível. Aprendemos com nossas fraquezas, nossos gostos, nossa imaturidade.

E o quanto aprendi? Você sempre pareceu alguém que decidiu cuidar tanto de mim, como um irmão mais velho. Parecia que eu era sempre aquele descuidado que não me importava com nada e você brigava comigo por isso.

“É isso o que você quer por toda a sua vida? Você precisa crescer, amadurecer, enfrentar o mundo. Desperte, levante e caminhe! Você tem uma viagem inteira para enfrentar” – Eis suas palavras, que tanto me intimidavam, mas me faziam perceber o quanto isso era importante para mim.

E agora, o que me restam são suas palavras e a doce saudade. Tempos que não voltam, eu sei. Não preciso que ninguém me diga. Ainda tive um momento de esperança, mas por que deveria? Demorou um tempo para acreditar que você havia ido embora para sempre. Olho nossas fotos e choro. É assim que o destino decidiu e assim foi feito. Não há como fugir.

Só uma coisa: Espero que, onde quer que esteja, jamais se esqueça de mim. Um dia nos encontraremos para contarmos um ao outro todas as aventuras que não tivemos juntos. Estaremos num lugar melhor sorrindo por estarmos juntos novamente e chorando por termos tanto a nos recordar. Demorará tanto, que serei incapaz de contar e conter minha ansiedade, mas algum dia, algum dia, que ainda nos resta esperança, estaremos juntos. Juntos novamente.

Até lá, deixo meu muito obrigado. Obrigado, meu irmão, por ter ficado comigo por todo esse tempo. Espero que esteja bem.

Tudo Outra Vez

Queria eu ter tido só mais uma chance pra te dizer:

Eu errei, eu sei. É difícil assumir uma culpa tão forte como essa, mas não me leve a mal: eu faria tudo outra vez.

Foi errado o que fizemos, mas era algo que nós dois queríamos. E agora, o que parece é que a culpa cabe apenas à minha pessoa.

Mas eu ainda tenho minha consciência. Vi como tal atitude imatura foi prejudicial a você.

E essa ciência causou conflito em meu corpo e em meu coração. Eu chorei. Chorei, pois, enfim, fiz algo que, alguma vez, já me machucara. Como consequência, quase vi seu casamento de anos se desmanchar.

Era o que nós queríamos, não era? Estava lá, em alguma parte de nossas mentes…

Por um momento, cheguei a pensar que você repensaria sobre sua escolha. E eu esperei, na porta de sua casa até o amanhecer. Você não apareceu.

Era eu ou era ele, lembra? E você fez sua escolha. Escolha essa que me fizera partir. E eu saí de cena. Era o fim de nosso ato. Fui embora, mesmo que machucasse ainda mais nossos corações, mesmo que o meu gritasse: “Vê se volta pra casa, eu quero te ver”.

Eu preferi ir embora de sua vida, pois era meu dever cuidar de você. Eu iria te proteger à minha maneira, como um dia eu havia prometido, lembra? Eu preferi sua felicidade, mesmo que isso custasse a minha.

Sem rumo, sem direção, procurei refazer minha vida. Tá meio difícil de voltar, ainda mais sem você por aqui, mas eu preciso seguir em frente como você fez, não é mesmo?

Sim, eu faria tudo outra vez. Eu lutei por algo que acreditei que algum dia seria meu. Apostei alto e errei. Perdi o que mais temia. Perdi você. Completamente. Profundamente. Eternamente.

Queria eu ter tido só mais uma chance pra te dizer.

I Wanna Be

Matéria duvidosa. Estampados em uma boa capa, uma carcaça tão bem trabalhada e um sorriso tão branco de invejar qualquer fantasma. O que parecia ser algo tão banal, uma tragédia viral.

Deu-se início por um pensamento. Uma opinião. Ora! Não somos livres para pensar? Será que fui interpretado de forma tão ruim? Sim, fui. Ativei a arapuca para meu próprio pássaro, antes tão sonoro.

Mas eu sou alguém. Reles palavras, sempre ignoradas. Ao meu lado uma legião, meu escudo. Atirem em mim, mas os atingirão primeiro.

Atitudes e pensamentos tão raivosos, sumarizou-se uma palavra. Soou-me tão banal que nem remorso presente esteve. Amenizo esse cheiro com meu lamento. “Não passa de uma brincadeira”. Não se ofenda, não é pessoal. Não quero que seja, não precisa ser. São todos iguais. De verdade.

Por fim, faço papel de bom homem. Contradição é a solução. Provo em arte que estão errados. É inveja, de quem não me quer bem. É inveja, de quem não é ninguém.

Sigo tranquilo. É apenas balbúrdia. Se hoje é apenas explosão, amanhã resta apenas o esquecimento, pois eu sou alguém e o alguém sempre tem alguém que não o deixa virar ninguém.

Meu Passado Grita

De tempos em tempos
Meu passado grita
Implora por volta
E à noite incomoda.

Será que, assim,
Diante de novos olhos
Que um novo um mundo enxergam agora
Devo eu pisar nesse novo solo
De forma tão firme
Fechando malditas portas
Que deixei abertas
Na esperança de tudo voltar a ser como antes
Mas ao fim de tudo
Abriram mais um corte em minha alma?

Não seria melhor
Abandonar tudo que ficou pra trás
E esquecer o que,
algum dia,
deixou cicatriz?

Longe de mim, encontrei o amor – Part III

            A natureza escutava umas palavras feias. O jovem rapaz se esbraveja ao gritar um palavrão numa estrada inóspita, num calor de 42º C. O motor do carro havia parado.            A cena que vemos é a de um homem nervoso saindo do carro, pisando fundo por aquela estrada de terra, enquanto sujava seu tênis branco, após bater furiosamente a porta do seu velho automóvel.

            − Essa lata velha tinha que me deixar na mão justo hoje? – Ele gritava enquanto abria o capô do carro, deixando uma fumaça preta se exalar do motor.

            De longe, notava-se a raiva de um homem se espalhar pelo nada. Nada. Absolutamente nada era o que tinha naquela estrada. Não havia um borracheiro, um posto de gasolina, um mecânico ou mesmo uma mercearia. Apenas nada. Um homem, sua raiva, seu carro parado e mais nada.

            − Você tinha que me deixar na mão justo hoje? Depois de viajar por tantos quilômetros nessa estrada esburacada, vendo tantos acidentes e torcendo pra não ser mais um deles, enfrentar toda uma família para, nos fim das contas, acabar só numa estrada como essa? – Ele bateu o capô ferozmente. Era notável que ele não falava do carro.

            E ele soltou um longo suspiro, enquanto passava suas mãos pelos cabelos tentando se acalmar. Chutou um pouco de terra. A poeira subiu até seus olhos e sua boca, o que o levou a uma incomodante tosse e a uma ardente coceira nos olhos.

            E ele tossia. E quanto mais tossia, mais palavrões se ouvia.

            Com a vista prejudicada pela terra, o rapaz virou de forma a chocar sua canela contra o parachoque.

            − O que mais falta agora? – gritou ele.

            De repente, um barulho ao longe. Parecia o motor de um carro. Ele tentava avistar o que vinha, mas sua visão ainda estava prejudicada. Aos poucos, percebia-se que não era um carro, mas vários deles. Sirenes também poderiam ser escutadas ao longe. Policiais se aproximavam.

            − Talvez eles me ajudem – pensou.

            Eles pararam suas viaturas próximas ao carro parado e saíram com suas armas nas mãos.

            − Parado! Mãos pra cima!

            Não era mesmo o seu dia. Nada havia dado certo e agora estava indo preso por um motivo que ele nem mesmo sabia. Se ao menos não tivesse saído da cama naquele dia de sua viagem, estaria muito melhor agora.

            O rapaz tentava pedir explicações, mas só ouvia um “calado” e um “você está errado, cara”. Para piorar, um dos policiais colocou uma venda em seus olhos enquanto outro segurava seus braços.

            − Fica quietinho que vai ser melhor pra você, rapaz!

            E durante meia hora, aquele tormento o dominou. Parecia uma estrada sem fim, onde só se escutava o barulho do motor, enquanto ele não podia fazer nada.

            Mas chegaram, finalmente. Um dos policiais o tirou a força da viatura e o fez caminhar, enquanto ele permanecia de olhos fechados. Seu corpo tremia, enquanto se imaginava vítima de tantas torturas. Poderia ser seu fim.

            Então, ele foi forçado a parar. Tiraram-no a venda e o soltaram. Aos poucos, sua vista foi entendendo a realidade. De princípio, não fugiu, precisava entender a situação em que se encontrava. Um salão, muitas pessoas, grandes corações vermelhos representados por balões e uma linda moça de cabelos encaracolados e olhos claros a lhe esperar. Uma faixa grande escrita SIM de vermelho. Era a mesma moça que lhe fizera perder horas de viagem.

            E, pela primeira vez naquele dia, ele não quis soltar nenhum palavrão. Apenas sorriu, enquanto seus olhos derramavam algumas lágrimas. Todos ao seu redor assobiavam, aplaudiam e gritavam por seu nome. Eles apenas pararam de fazer tanto barulho quando um rapaz cabeludo de terno e gravata se posicionou ao lado da jovem e, com seu violino, se pôs a tocar, enquanto ela pode declamar:

“Meu pequeno coração, de olhos tão belos.
De forma tão confusa, me desesperei,
Sem reação fiquei.
Deixando-te abalado,
Triste e tão solitário
Era meu pecado, deixá-lo naquele estado.

Mas pena minha essa não seria
Arrependida, uma atitude eu tomaria
E uma coragem de dentro sei que buscaria
Não quero te perder. Não poderia.

Apaixonar-me por ti foi inevitável
Agora, aos seus olhos, eu posso dizer
É certeza que ao seu lado desejarei sempre viver
‘Sim’, é o que eu deveria, desde o início, te responder”.

E ela pouco se importou com o estado sujo do rapaz. Num breve instante, já estava em seus braços, tocando-lhe os lábios, sentindo o doce sabor do seu beijo. E desde aquele dia, sob os gritos, aplausos e assovios de toda a plateia, o jovem casal tornou-se um só.

Primeira parte

Segunda parte

Foto de MART PRODUCTION no Pexels

Party In The U.S.A.

Depois de algumas horas de voo, em meu jato particular, eis que finalmente aterrisso com minhas melhores amigas e com meus melhores amigos. Estamos em Los Angeles.

Aqui parece tudo tão estranho, louco e todos se parecem com algum famoso. Será que consigo me encaixar num lugar como esse?

Mas aí me lembro o porquê de estar aqui: Vim encontrar um grande amigo que comemora mais um ano de vida. Esse amigo tão especial que conheci em umas dessas viagens por esse grande país norte-americano. Um amigo que, aos poucos foi me cativando e ganhando meu coração. E hoje vim aqui especialmente por ele: para lhe dar os parabéns.

É, e a surpresa nem para por aqui. Vamos dar uma volta por essa cidade maravilhosa e parar num dos bairros mais famosos do mundo: uma tal de Hollywood. Ah, é agora que nossa fantasia começa: Deixamos de lado toda essa vida que temos para sermos astros tão bem aclamados pelo público.

Ali, vamos gravar algumas cenas para o cinema e, quando tudo estiver pronto, compomos nossa música para que faça sucesso por esse planeta azul. As cenas do clipe foram todas gravadas e ficaram ótimas. Deu até um frio na barriga, mas valeu a pena, quando vi esse brilho no seu olhar, que combinou muito bem com esse seu sorriso.

E é isso, meu amigo. Vamos levantar as mãos para o ar e gritar pra todo mundo ouvir: Hoje é dia de festa, hoje é o dia da sua festa. Vamos aproveitar esse dia maravilhoso que eu sei que você não quer que acabe nunca. O dia é seu, então faça dele o que você desejar. Vamos comemorar.

Bem, esse é meu presente para você e espero que goste, meu amigo. Felicidades e sucesso sempre. Quem sabe um dia não possamos repetir tudo isso que vivemos hoje?

Raridade

Raridade

 

Talvez você ainda não tenha entendido, mas existe uma pedra preciosa aí dentro de você que não foi lapidada, esperando apenas pelo seu toque.

Eu sei que existe uma força que pode levar você a lugares inexplorados, mas você não se permite enxergá-la. Você não acredita que é capaz de lutar e lograr seus êxitos.

Vou lhe contar um segredo: Há grandes vitórias que você conquistará. Apenas se lembre de que para chegar ao topo de uma escada tão grande, é preciso dar o primeiro passo, mas você tem hesitado muito.

Você não estaria aqui se não tivesse sua raridade. Deus te pôs aqui para um propósito, pois Ele reconhece seu valor. Você não deveria fazer o mesmo?

Então, pare de chorar por esse mundo que não o reconhece como deveria, pare de pensar em desistir sempre que algo der errado. Se Ele sabe do seu potencial, não é você quem vai se fazer cair, certo?

Não espere, levante-se! Venha! Está pronto? Espero que sim.

Longe de Mim, Encontrei o Amor – Part II

Leia a primeira parte do conto clicando aqui

Talvez, você não saiba, talvez não tenha decifrado em meus olhos, talvez você não tenha certeza do que estou sentido, mas sei bem o que você deve estar pensando: “Por que ela fugiu dos meus braços naquela noite?” Agora estou aqui, em meu quarto, triste por uma atitude tão tola.

Fiquei nervosa, eu sei. Todos aqueles flashes e olhares para a minha pessoa. Ah, como eu fiquei tímida, como fiquei nervosa. Meu pensamento quis dizer “sim”, meu coração quis dizer “sim”, minha boca estava quase dizendo “sim”, mas meus pés foram mais rápidos e me fizeram fugir dali.

Devo ter partido seu coração. Não me leve a mal. Quando vejo seu rostinho tão fofo, sorrindo pra mim com o olhar mais inocente do mundo, percebo o quanto ganhei na minha vida.

Já procurei tanto, mas quando estava quase desistindo de lutar, veio meu cúpido e me flechou de tal forma que não pude controlar.

Estou pronta para entregar meu coração a você, pois sei que é digno de cuidar bem dele como cuida tão bem do seu e sei como está disposto a enfrentar tantas barreiras que te aflige para lutar pelo nosso amor. E você não lutará só, pois lutarei sempre ao seu lado.

E era exatamente assim que eu escreveria nossa história. Parece ser tão simples quando rascunhamos lindos desenhos deste maravilhoso conto, apenas desenhando nós dois sentados à beira do mar, vendo o sol se pôr, de mãos dadas, com tantos corações voando, enquanto tocamos os lábios do outro.

Mas eu falhei. E com apenas um tropeçar, deixei que essa folha caísse no mar e se molhasse e ao tentar pegá-la, ela se rasgou, deixando-nos uma lágrima.

Desculpe-me por ter fugido. Agora estou aqui no quarto, desejando que você me dê uma nova chance para que eu possa ver você novamente, com esse seu olhar puro e encantador que me faz apaixonar. Sinto tanto sua falta. Será que não há um meio fácil de dizer tudo isso? Eu me sinto tão mal de estar aqui sozinha, esperando por você…

Quando estava prestes a perder minhas esperanças, eis que uma luz surge e penetra em meu ser.

*

  • Ei, psiu, gatinha…

Escuto alguém me chamar. Olho pela janela e vejo aquele velho amigo seu.

  • Acho melhor você vir aqui agora. Seu namorado está partindo, não podemos perder tempo!

Sem ao menos ter tido tempo de pensar, troco de roupa e corro para seu carro. Ele me explica tudo pelo caminho:

  • Você deu mancada, o rapaz está pensando que você não o quer.
  • Eu não tive culpa, fiquei muito nervosa! Se ao menos pudesse voltar no tempo.
  • Não há com o que se lamentar. Ele ficou muito mal e pegou o carro com a intenção de voltar para sua terra. Pedi que fosse te ver antes para ouvir uma explicação sua, mas ele disse que não acreditava mais no amor.
  • Preciso reconquistá-lo, mas como? Ele deve estar longe agora!
  • Se eu perguntasse a alguns dos meus amigos policiais, talvez saberíamos por onde ele já tenha passado.
  • Você tem amigos policias?
  • Sim, tenho alguns!
  • Tive uma ideia! Por favor, deixe-me no hotel que ele se hospedou. Eu explico tudo pelo caminho.
  • Tem certeza de que isso pode dar certo?
  • Acredite em mim! É minha última chance de ser feliz ao lado dele.

Prólogo – Serenata

(…)

Mais tarde, naquele mesmo dia, eles voltaram para seu humilde lar, de poucos cômodos, uma lareira na sala e uma escada próximo à cozinha. Eles sobem. No andar de cima, dois quartos, um corredor e um pequeno banheiro. Eles entraram no quarto de Vinícius que logo entrega um violão a Matheus, encontrado numa pilha de roupas sujas.

O lugar cheirava a pizza e tênis velho e era impossível não reparar na bagunça. Algumas formigas também poderiam ser vistas em algum canto e, quem sabe, uma baratinha, de vez em quando.

  • Seu chiqueiro está cada dia melhor – diz Matheus reparando no quarto, enquanto pegava o violão – daqui a uns dias invade meu quarto também.
  • É o mal de quem nunca tem tempo pra nada, você sabe – justificou Vinícius.
  • Meu tempo também é escasso e nem por isso chega a esse nível – retrucou Matheus – se as garotas conhecessem esse seu lado, você morreria solteiro.
  • Por isso que sempre as levo pra um lugar mais arrumado – dizia Vinícius, enquanto dava uma piscada sutil para ele.
  • Ah, seu safado! – diz Matheus agitando o amigo.
  • pensando que seu brother é bobo? – diz Vinícius no mesmo tom.

Os dois caem na risada. Vinícius sempre foi um rapaz namorador, de muitas mulheres, ao contrário do amigo sempre tão tímido.

  • Mas, e aí, meu parceiro? Vamos tirar a teia de aranha dessa velharia e soltar o cantor que há em você? – Desafiava Vinícius.
  • Que papo mais estranho é esse, brother? – Zoava Matheus.

Então, daqueles ágeis dedos começavam a soar velhas canções, mostrando que seu talento apenas estivera adormecido. Durante uma dúzia de anos, Matheus dedicou-se à música aprendendo com alguns velhos professores que procuraram esse emprego após terem se aposentado. Vinícius, por outro lado, preferiu aprender outras artes, como a de cozinhar e a de lutar.

  • Ok! Agora vamos compor um pouco – sugeriu Vinícius.

Então, madrugada a dentro, ambos compuseram. Apenas se escutavam duas vozes masculinas, um violão, um lápis, pontas quebradas e a borracha deslizando pela folha, amassando-a por várias vezes. Quando finalmente o galo cantou, o sono os nocauteou.

Na manhã seguinte, ou melhor, na tarde seguinte, após se servirem de um belo almoço feito pelo próprio Vinícius (que, sem dúvidas, estava uma delícia), eis que o bom cozinheiro sugere a seguinte ideia:

  • Falta algo na sua melodia e acredito que alguns amigos músicos podem nos ajudar. Lembra-se de Fernando? Ele é violinista agora.
  • Aquele cabeludo? Poxa, um rapaz tão tímido! Jamais pude imaginar.
  • Pois é! Começou a compor depois que se divorciou. Passou um tempo numa terrível depressão e a música o ajudou. Hoje ganha uma boa grana tocando numa banda de rock clássico. A banda se chama ‘The Pedrocks’. Mas, acredite, foi um tanto difícil convencê-lo a sair da fossa. Trouxe-nos muitos problemas durante um tempo, mas jamais o abandonamos.
  • E pensar que ele sempre foi uma criança tão alegre, educada, inteligente, apesar de muito tímida.
  • E muito criativa – completou Vinícius – diga-se de passagem.

Vinícius liga para o violinista, enquanto Matheus pega o celular do amigo em busca de mais algum contato que possa ajudá-los. Depara-se com um jovem sentado, de pele parda, cabelos por se escovar, óculos escuros, calça laranja e apoiando uma guitarra em suas pernas como se estivesse tocando. Matheus não o reconhecera, mas acreditou que este seria de grande valia.

Após Vinícius desligar o telefone e informar ao amigo que em menos de uma hora Fernando chegaria, Matheus mostrou-lhe a foto que havia visto e perguntou a identidade do então desconhecido.

  • Grande Marcelo! Conheci essa figura pelos bares da vida. Um guitarrista de primeira.
  • Você tem um amigo que eu não conheço? – Indagou Matheus.
  • Digamos que foi num dos meus momentos de fossa – começou Vinícius.

Matheus lhe deu um olhar meio chateado, percebendo que uma parte da história do amigo ainda era desconhecida.

  • O que foi?
  • Você tem um amigo que eu não conheço? – Matheus repetiu num tom mais alto.
  • Poxa, eu também tive meus tempos de solidão. Naquela época, quando eu terminei com… bem, você sabe. Eu não queria ver ninguém. Vivia bebendo pelas noites. E numa dessas, eu o conheci. Sua guitarra e sua banda me trouxeram de volta à lucidez. Foi assim que nos tornamos amigos.
  • Quer dizer que ao invés de você pedir ajuda a mim, você foi desabafar com um desconhecido? – Matheus já começava a ficar um pouco sério.
  • Não vamos brigar por isso agora, meu chapa. Deixemos essa história pra depois. Agora temos que nos ocupar com sua canção – Vinícius tentava acalmar Matheus.

Após uma longa pausa, mas planejando conversar sobre aquele fato desconhecido, Matheus finalmente solta:

  • Isso explica as manhãs em que você chegava bêbado e as noites que você se trancava no quarto.

Vinícius, apesar de ser um cara mais sociável, tinha uma característica curiosa: sempre que passava por um momento ruim, que lhe causasse grande dano sentimental, preferia se recolher à própria bolha que ele chamava de ‘insignificância humana’. Era um período em que ele comia pouco, bebia muito, dormia pouco, chorava muito, falava pouco, brigava muito, mas, na maior parte das vezes, mantinha-se isolado. Matheus sabia disso e, por muitas vezes, preferia não mencionar nada sobre o assunto tampouco incomodá-lo, até que tudo voltasse ao normal.

Todavia, não era esse um dia ruim. Era o de grandes ideias e boas composições. Matheus questionava ao amigo como Marcelo tocaria guitarra sabendo que na rua não haveria tomada, mas Vinícius já tinha uma resposta:

  • Marcelo tem uma caixa potente de som portátil. Ele a carrega para qualquer lugar. Alimenta-se de uma bateria capaz de aguentar um dia inteiro de trabalho. E sei que ele pode dar vida a nossa melodia. Vai se impressionar com seu talento.
  • Mas é a guitarra ou o Marcelo que se alimenta de bateria? – Brincou Matheus.
  • Idiota! – Disse Vinícius, acertando-lhe o travesseiro no rosto, fazendo-o cair na cama.

E com o passar do tempo, eles foram aperfeiçoando o arranjo até que finalmente põem um fim na composição. Já estava decidido que na noite de sexta-feira seria feita uma bela serenata a Lina. Teriam três dias para treinar. Matheus fez todos os exercícios possíveis com a voz para não fazer feio. Os outros, que compareceram nos dias seguintes de treinamento, não deixavam de checar a qualidade dos instrumentos.


Chega a grande noite. Os rapazes começam a organizar os instrumentos em frente à casa de Lina, uma casa de dois andares, tendo o quarto da jovem mulher uma sacada de frente para uma praça bastante arborizada e iluminada. A rua não era muito movimentada, o que não impediu que a banda se instalasse ali. Enquanto eles se arrumavam, a multidão parava próxima a eles, curiosos.

Hora de ligar os instrumentos. A banda começa com um toque suave e Matheus, no microfone, começa um pouco tímido no vocal. Vinícius assumiu a posição de violonista, enquanto os outros tomavam suas respectivas posições.

Então, a música começou a soar pelo quarteirão.

Lina, usando um conjunto de moletom lilás (fazia frio naquela noite), saiu na sacada, esfregando os olhos e tentando entender o que acontecia ali embaixo, estando ainda dominada pelo sono. Aquela barulheira despertou a curiosidade (e a ira) de alguns vizinhos. Os pais de Lina também apareceram na sacada ao lado.

O pai de Lina, Valtênio, é um senhor de quase sessenta anos, negro, usa bigode, é grande e gordo. O seu semblante demonstra que está quase sempre de mau humor. Tratando-se da filha, então, é capaz de fazer até o homem mais forte da academia sair correndo.

A mãe, Tereza, é apenas dois anos mais nova que o marido. De pele parda, baixinha, com algumas gordurinhas localizadas, possuía, naquele momento, uma feição assustada. Estava de bobes e uma camisola que lhe batia no calcanhar.

Lina era negra como o pai. Magra, seu rosto lembrava muito ao da mãe. Era pouco mais alta.

E o quarteto continuava a tocar.

Lina estava espantada com a banda ali embaixo, mas feliz. Quando se deu conta de quem era o dono daquela voz, pôs-se muito animada, o que não agradou ao pai. A mãe, prosseguia com a mesma reação.

De repente, o pai de Lina sai da sacada. A banda continuava a tocar, Lina se debruçava na sacada para vê-los melhor, mas ela não teve uma visão muito agradável, quando, após alguns minutos, todos eles foram molhados por um balde jogado por Valtênio, que gritava furioso para que eles fossem embora. E eles foram, mesmo aos gritos de protesto da filha:

  • Pai, como pode? – ela voltou para o quarto chorando.

E ele sabia que na manhã seguinte, a moça reclamaria por essa atitude tão hostil que vem se repetindo ao longo dos anos. Por essa mesma razão, Lina, que sempre sonhou em se casar com um rapaz romântico, nunca pode experimentar o toque de um beijo. Seu pai era muito protetor, por isso, atitudes de tipo não eram bem-vindas.

Quando voltaram para a casa de Matheus e Vinícius, conferiram o funcionamento dos instrumentos e trocaram suas roupas por outras secas, eles comentaram sobre o incidente.

  • Brother! Espero que ela não tenha puxado o pai, senão todas as brigas de vocês terminarão com um banho bem gelado – brincou Vinícius, todos riram.
  • Na minha opinião, a garota gostou, mas eu recomendaria que vocês fossem a um lugar mais tranquilo, longe daquele mal-humorado – aconselhou Fernando.
  • Também sim, mas preciso bolar algum plano para tirá-la de lá. Também preciso de um bom lugar para levá-la, que não a assuste – disse Matheus.
  • Quanto ao lugar, não há problemas – disse Marcelo. – Há um campo florido há poucos quilômetros da cidade. É um lugar bem tranquilo e seguro.

Marcelo descreveu o campo a Matheus, enquanto Vinícius e Fernando bolavam um plano de como ‘sequestrariam’ a garota. Resolveram estudar a rotina da família.

Então, o plano foi o seguinte, executado dois dias depois:

Na parte da manhã, os pais saíram para trabalhar, deixando a moça sozinha. Marcelo foi até a casa dela, tocou a campainha e conversou por alguns instantes com a garota. Levou-a para onde estavam Fernando e Vinícius e, logo que os reconheceu, abriu um sorriso, já o desfazendo lembrando-se do ocorrido na última noite.

  • Peço desculpas a vocês. Meu pai não gosta de romantismo e acha que a filha não é madura o suficiente para receber uma singela serenata, não importa de quem seja.
  • Tudo bem, nos divertimos muito naquela noite – respondeu Vinícius.

Os rapazes se despediram, deixando apenas Matheus e Lina a sós. Matheus sugeriu que fossem a algum lugar mais tranquilo para que pudessem conversar melhor, convencendo-a de que ainda havia uma surpresa para ela.

  • Surpresa? Pra mim? O que seria? – Perguntou Lina, curiosa.
  • Ok! Vou te contar para acabar logo com isso.

Lina olhou fixo nos olhos de Matheus aguardando o término de seu silêncio, até se dar conta de que ele não falava sério.

  • Ah, , é surpresa! – Disse Lina, desapontada.

Matheus riu.

  • Confie em mim!

Matheus pegou uma venda escura. Lina se mostrou assustada. Afinal, qual o motivo de se ter uma venda naquele momento?

  • Tudo bem! Mas, se for algum tipo de pegadinha, digo a meu pai que você me sequestrou e não me importarei nem um pouco com as consequências.
  • Tenho cara de sequestrador por acaso?

Ambos riram, até que Lina ficou completamente séria e disse:

  • Sim, você tem!

Por um instante, Matheus manteve em si um semblante de preocupação.

  • Também sou boa em assustar as pessoas – disse Lina com tom sarcástico, rindo logo em seguida.
  • Garota! Nunca mais faça isso, por favor. Senti meu coração parar de bater.

Lina deu uma leve piscadela antes que o rapaz colocasse aquele tampão gigante em seu rosto.

Depois, eles entraram no carro (claro que ela precisou de ajuda para não tropeçar). A estrada não era muito favorável, pois era cheia de buracos o que, algumas vezes, fez Lina dar um pulo de quase bater a cabeça no teto.

  • Que estradinha terrível! É pra isso que pagamos nossos impostos? – reclamou Lina entre um pulo e outro.
  • É uma lei pra ajudar os mecânicos. Quanto mais estradas, mais serviço pra eles. – brincou Matheus.

Ambos riram. Foram conversando um pouco até estacionarem em seu destino. Claro que podemos apreciar um momento de gentileza por parte do jovem apaixonado. Também pudera, já que, se ele não tivesse feito isso, a moça vendada permaneceria sentada por muito tempo.

E a venda foi retirada. A vista era de um lindo campo com rosas brancas muito bem cultivadas, árvores que faziam sombras frescas próximas a uma represa, onde o gado matava sua sede, além de uma tenda, uma toalha vermelha esticada sobre a grama com frutas, pães, bolos, sucos, café, chá, tortas e outras delícias que foram preparadas pelo guitarrista Marcelo.

  • Uau! Essa vista é linda! – Disse Lina, surpreendendo-se.

Uma bela cena romântica. Matheus lhe dera o braço e ambos caminharam para o piquenique. Conversaram, riram e contaram um pouco da própria vida. Eles já se conheciam havia um tempo, mas apenas de vista. Lina nutria uma paixão platônica pelo rapaz há mais tempo que ele, mas como seu pai era bastante rigoroso, nunca teve coragem de começar qualquer conversa saudável com o rapaz. Já ele, tão tímido, não sabia como se declarar, até que seu melhor amigo lhe desse um pequeno empurrão, sugerindo-lhe uma serenata.

E agora ambos estavam ali, saboreando um delicioso banquete. Então, depois de tanto conversarem e se darem por satisfeitos, Matheus escorou-se na árvore, deitando-a sobre seu peito. Enquanto ele acariciava seus longos cabelos, puxou um livro e começou a ler. Era uma história romântica de um príncipe que se apaixonava por uma plebeia.

  • É muito triste como a sociedade julga um amor desses por conta da diferença de grana. Que bom seria se cada casal pudesse criar sua história de amor do seu jeito, sem os olhos críticos desse tigre faminto que tanto só vê o ódio onde não deveria estar – Lina refletiu por uns instantes.
  • Sim, tão triste quanto um pai que não permite que sua filha faça um homem o mais feliz de todo o planeta. Se ele soubesse ao menos que ela também desejar criar sua própria história de amor, assim como ele um dia o fez. Se ele ao menos soubesse que esse homem cuidaria muito bem dela e a faria muito feliz.

E foi nesse instante que ela se levantou do peito de Matheus, olhou-o nos olhos e perguntou:

  • Será que eu conheço bem essa história?
  • Será que não está na hora de nós criarmos a nossa história?

E eles se olharam por alguns instantes. Lina abaixou seu olhar, dando-lhe um sorriso. Finalmente, disse:

  • Sim! Deveríamos. Deveríamos construir essa história juntos.
  • Eu estou disposto a transformar nossos corações em um.

E a orquestra da natureza não parava: Era o vento soprando as folhas das árvores e da relva tão bem cortada, o gado pastando e bebendo sua água, os pássaros cantando felizes enquanto sobrevoava aquela área e os macacos brincando entre tantos galhos, sem se preocuparem com nada.

De repente, tudo ficou em silêncio. Quase tudo. De longe, ainda se ouvia uma orquestra de uma nota só: ali, naquela paisagem tão encantadora, nascia o primeiro beijo.