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Parte de mim luz

Ele vem em minha direção, naquela noite chuvosa, onde poucos postes iluminam minha visão. Veste uma jaqueta de couro preta, uma camiseta preta, uma calça preta e tênis preto. Seu cabelo está levemente bagunçado, mas seu olhar é fixo ao meu corpo escorado em uma parede. Na rua, não há passageiros ou carros, não há vozes, não há barulhos, não há músicas.

Lembro-me de um tempo em que tentava ser feliz de todas as formas, mas tudo me frustrava. Meu primeiro relacionamento foi um desastre. Fui enganado de tantas formas que já nem me lembro como era o amor. Meus amigos apenas fingiam estar do meu lado, quando tampouco pensavam em mim. Minha família sempre desunida onde cada um só agia em benefício próprio. No trabalho, então, só decepção.

Entrei em minha fase de isolamento, fechando-me para o mundo em busca de autoconhecimento. Estava tão cansado que meus próprios pensamentos me sabotavam. Tornei-me o escuro de mim mesmo, com frases negativas e desespero. Era só tristeza e lamento.

Então, algo nasceu de mim. Correu para longe. Despareceu. Por fim, estava livre. Retomei o que havia perdido, com novos rostos, novos lugares. Tentei me adaptar à minha nova vida, respirando fundo, com novos sabores, com novas atividades. Tentei expulsar o pouco da tristeza que me restava, com poesia, com arte, com risada. Encontrei em novos amigos o que nos velhos me faltava. Parecia renascer em mim a velha felicidade.

Tentei, de diversas formas. Mas algo vazio ainda me habitava. De alguma forma, aquilo não era eu, mas nada me dava respostas. Tentei me reencontrar, mas não deu.

Foi então, naquela noite escura que vi aquele ser todo vestido de preto se aproximando de mim. Aos poucos, fui reconhecendo. Eu estava olhando para mim mesmo, com um semblante triste. Aquele meu eu-obscuro se aproximava e eu não conseguia fugir. Nem parecia ter vontade, na verdade. Ele me abraçou forte e meu peito se pôs em desespero. Ofegava forte, com o coração em ritmo acelerado. Meus olhos espantados, minha boca amarga. Tentei empurrá-lo para forte, mas ele era resistente. Então, percebi que não havia me livrado do passado.

Quando as lembranças me vieram, tudo ficou claro. No auge do meu desespero, não tentei me livrar do mal que havia me assolado. Passei por cima da tristeza, sem resolvê-la por completo. Ela se foi por um bom tempo, até acreditei estar curado.

Então, quando minha pior noite voltou, ele retornou. Quieto, calmo e forte com um abraço apertado.

Parte 1 de 2 deste conto

Eu, a solidão e meu velho violão

Somente eu, a solidão e meu velho violão neste mundo. Meu ser abençoado caminha por estas terras procurando cada lágrima de sofrimento que cada pessoa por eu encontre carrega.

A minha missão por aqui é um pouco diferente da sua. A minha missão é transformar cada uma destas lágrimas de tristeza em alegria. É transformar cada coração fechado em um disposto a amar. É levantar cada caído e fazê-lo voar.

Algum tempo por aí, eu também estive triste. O meu coração clamava por alguém que lhe respeitasse, mas por um tempo ele não pode ouvir uma resposta. Ele nunca pode se dividir com um semelhante. E ele entendeu que assim seguiria.

Mas o que ele não poderia aceitar era outro coração como ele. E por estas estradas que caminhamos, eu, ele, o violão e a nossa solidão, não mais haveria um olhar triste, não mais haveria um céu sem estrelas. Não mais haveria uma lágrima sem boa razão.

Meu coração sempre me disse que não devemos machucar as pessoas, devemos amar e cuidar delas. Meu coração, que irônico, que tanto se partiu e precisou de um bom tempo para colar cada pedacinho, me pede para dar forças a quem precisa. E para lá fomos: para estender as mãos para outro coração partido.

Eu não quero e não posso mais te ver assim, meu amigo. Sua história ainda não teve seu fim, como esta canção que tenho composto pelas minhas estradas. Estradas que ando com meu violão e minha solidão. Solidão esta que não sabe o que é estar só, por ter adotado tantos corações solitários dispostos a encontrar suas próprias luzes.

E é por estas estradas que eu sigo, sozinho. Eu, meu violão e meu velho coração solitário.

Firework

Hoje acordei com mais uma missão: ajudar um grupo de pessoas abaladas pelo mal da sociedade: o julgamento. Ela não é feliz e quer que nenhum ser vivente seja. Mesmo que deem o seu melhor, sempre haverá algo de errado. Entenda: o erro está neles.

Quanta gente. Nenhuma alegria. Esses olhares tristes me dão certo frio na espinha.

“Vocês estão todos aqui pelo mesmo motivo?” – Perguntei.

A resposta foi única: Não! Cada um alegava uma dor diferente.

  • Minhas amigas são todas magras, saradas, enquanto estou 25kg acima de meu peso. Não consigo um namorado e todos me apelidam de algum animal pesado.
  • Tenho apenas 9 anos e tenho câncer. Meus colegas de escola têm medo de se aproximarem de mim, pois não querem se contagiar com minha doença incurável.
  • Todos os homens da minha família são bem-sucedidos. Eu não. Meu carro é antigo, ganho um salário que mal paga minhas contas, tenho quase 40 e não me casei.
  • Sou gay. Perdi meus amigos quando me assumi, minha família mal fala comigo e os que ainda tentam, dizem que devo me curar, se eu quiser ser salvo ou se eu não quiser apanhar pelas ruas.
  • Sou negra. Tratam-me como uma escrava, como um ser inferior. Já tentaram me estuprar, dizendo que eu vim a esse mundo apenas para servir.
  • Minhas tatuagens e meus piercings não me permitem arrumar um bom emprego, tratam-me como um criminoso, mesmo que minhas atitudes sejam executadas pensando no bem do próximo.

Eram problemas diversos, mas todos provindos de uma mesma razão: a sociedade não os aceitava por serem diferentes. Pressão, por não estarem num padrão. São tantas palavras ruins que é impossível não se sentirem como um frágil castelo de cartas, facilmente derrubado com um sopro.

Com alto e bom som, iniciei meu discurso:

“Prestem atenção no que tenho a dizer! Vocês estão se permitindo afundar num mar de sangue e lágrimas que lhes puxam sem qualquer piedade. Tem sido uma luta difícil com tantos obstáculos, já presentes numa velha rotina. Precisamos sair disso, juntos!

Fechem seus olhos. Tudo está tão escuro, não é? Se vocês repararem bem, perceberão um pequeno ponto de luz, ao longe. Caminhem até ele, façam-no crescer até que sejam capaz de senti-la.

Todos aqui tem algo especial que o torna único. Talvez você ainda não tenha descoberto qual o propósito de seguirem por essa jornada. Eu sugiro que tentem, quebrem mais a cara, arrisquem-se mais. Talvez vocês percam a fé por ser algo tão trabalhoso e não verem um resultado tão breve, mas sei que cada um de vocês aqui hoje, começando pequenos ou não, vão surpreender cada pessoa que teve a audácia de julgá-los, de desacreditarem e dizerem que foram fracos.

E quando vocês reencontrarem a fé, esse pequeno ponto os envolverá. Esse pequeno ponto é a luz que os faz brilhar, que os faz pessoas melhores, que os faz olharem nos olhos de cada um e dizer: eu sou capaz, eu sou vitorioso. E essa luz, brilhando em você, se explodirá no céu, como fogos de artifícios, admirando a todos esses olhos que não fizeram parte de sua luta.

Agora vão! Lutem! A vida é muito curta para vocês lamentarem seus fracassos. É hora de se desafiarem, é hora de conquistar seus troféus, é hora de vencerem.”

À sociedade julgadora, um apelo: vamos parar com as críticas e elogiar mais, ajudar mais, olhar o que há de melhor nas pessoas e fazer desse um lugar melhor para viver? Reflita sobre esses atos. Eu acredito que possamos mudar e fazer a diferença, então: vem comigo. Vamos limpar essa bagunça que deixamos em nossos quartos.

Das mais belas rimas nasceu você

Quando eu era garoto, um vazio sentimento de nome solidão se apossou de mim. Sentia, de longe, um vento gelado batendo em meu peito assim. Meu coração me apertava e aos poucos matava o que me restava enfim.

Parecia um sentimento inacabado, algo que já me fazia acostumado. Meus domingos, em minha cama deitado, apenas me faziam refletir sobre a vida a qual estava destinado.

Mas algo aconteceu naquele domingo tão diferente, tão empolgante. De longe, eu avistava uma bela dama com olhar distante. E com um brilho de esperança, meu coração confiante,  que seria o seu destino, a partir daquele instante.

Tímido e um pouco inseguro, admirei sua beleza até me dar conta de um olhar correspondido e penetrante. Um pouco vermelho, disfarcei com receio, algo nada preocupante. Segurando meus dedos, voamos sem medo por um desconhecido destino vibrante.

E, desde então florescia, o sentimento mais puro, mais belo, mais vívido, com tanta maestria. Tão próximo do meu amor, discreto e ofegante, a minha alma tão triste a sua invadia. Eu não imaginava, mas enfim acreditava: “Sem você nada seria”. O que era esse calafrio que, então, eu sentia?

Foi com você que vi tudo isso acontecer. Da mais triste solidão, eu vi o amor nascer, quando encontrei você. Foi do meu coração que essa rima se fez transcrever. Olho em seus olhos e te pergunto, com minhas mais sinceras palavras: “Pra sempre juntos, iremos viver?”

Quando eu era garoto, um vazio sentimento de nome solidão se apossou de mim. Com o passar do tempo pude perceber que o que me faltava era seu coração para nele por um fim.

Bliss

Admiração em teu jeito de ser. Fascinante, livre, sadia, segura, confiante.

Como não almejar tais qualidades e ser como és? Parece-me tão artificial.

Nada a ti é superficial. Vejo teu rosto cheio de brilho, tão cheio de teu ser, tão vívido, tão fúlgido. Similar ao divino em terras perdidas, livre em uma grande ilha. Toca o céu com seus olhos azuis, mais brilhantes que o gigante azul de paladar salgado.

Tua felicidade não se finda. Tua paz exala por quilômetros de raios. Todos querem ser como a ti. Todos querem essa paz.

Ser tão bondoso que conhece apenas a paz, a alegria, a esperança. Busca nos viventes o mais oculto dom de bondade. Sabes que todos são capazes de uma vida calma e generosa. Sabes que a capacidade pertence a cada corpo, mesmo que lhe pareçam tão intangível. Sabes que todos são belos aos olhos de quem vê.

Brigas? Invejas? Não há dia ruim. Se há fúria no coração de outrem, rebate com uma tranquilo tom vocal, paciente e doce. Teus vocábulos proferidos como um canto em que desejo adormecer nesta paz sonora. E continuar a viver como um sonho. Um sonho que produziste em meu ser. Uma paz. Uma natureza de belos pássaros cantando sobre mim.

Raiva? Próximo a ti é apenas sentimento fantasioso, em livros de vilões existentes apenas em nossa imaginação. Tua alma não consegue odiar nem o mais bruto dos seres. Encontras a paz no espírito de cada. Dialogas, ouves, atribuis a cada problema uma solução. Convertes a maldade em luz, as trevas em compaixão, a solidão em solidariedade.

Admiro. Desejo ser como és. Não por inveja, mas para encontrar meu melhor ser. Ser melhor é o que pretendo ser. E reconfortar pobres almas que também já desistiram de ser luz nesse mundo de escuridão.

Indicado por: Marcelo Loriano

Last Hope

Desistir…

Palavra que ecoa tanto em minha cabeça. Obstáculos que me derrubam, fazem-me chegar até aqui. Estou chorando. Meu coração, despedaçado. Minha cabeça dói. Estou uma bagunça. Não vejo ninguém. Não vejo nada.

Desistir?

O destino me trouxe até aqui. Apenas um robô controlado por mãos alheias. Não almejo algo tão metódico. Pensei que, guiado, seria mais feliz, mas as dificuldades fazem parte do processo. Serei feliz apenas quando der o meu melhor, quando souber quem sou de verdade, quando à prova, me por.

Desistir? Jamais!

Há uma faísca que pode crescer e se tornar um fogo de esperança. Apenas uma faísca, mas o suficiente para me fazer crecer.

Eu durmo e acredito que tudo será diferente amanhã. Serei melhor e farei melhor. Durmo com muitos planos para o dia seguinte. Amanhã será um dia melhor. Ao acordar, percebo que nada mudou. A vida é aquela velha vilã de todos os dias.

Uma velha vilã? Então venha! Sou um novo heroi a cada dia, disposto a vencê-la e hoje estou preparado. Tudo será do mesmo jeito enquanto eu permanecer intacto. Está na hora de transformar toda essa esperança em ação. Deixe que a vida aconteça, que eu a transformo em algo melhor.

É apenas um brilho de esperança, mas o suficiente para elevar um espírito guerreiro, para estar de pé dia após dia e lutar por aquilo em que acredito. As feridas já não me machucam mais. Sei que já fazem parte de mim e por isso as tratarei como lembranças que me fizeram amadurecer. Estou mais forte e é essa força que me mostra que toda essa esperança que carrego, não é em vão.

Então, deixo que a vida aconteça. Uma batalha a ser vencida que não se finda com o cerrar dos olhos. É só uma faísca, eu sei, mas é o suficiente para me fazer continuar. Mesmo que esteja escuro e não haja ninguém para me acompanhar, essa faísca dentro de mim brilhará, mais e mais forte, para que eu possa continuar seguindo.

>> Música indicada por Tamires Domingues

Segunda ou terça-feira – Virginia Woolf

Preguiçosa e indiferente, vibrando facilmente o espaço com suas asas, conhecendo seu rumo, a garça sobrevoa a igreja por baixo do céu. Branca e distante, absorta em si mesma, percorre e volta a percorrer o céu, avança e continua. Um lago? Apaguem suas margens! Uma montanha? Ah, perfeito – o sol doura-lhe as margens. Lá ele se põe. Samambaias, ou penas brancas para sempre e sempre.

Desejando a verdade, esperando-a, laboriosamente vertendo algumas palavras, para sempre desejando – (um grito ecoa para a esquerda, outro para a direita. Carros arrancam divergentes. Ônibus conglomeram-se em conflito) para sempre desejando – (com doze batidas eminentes, o relógio assegura ser meio-dia; a luz irradia tons dourados; crianças fervilham) – para sempre desejando a verdade. O domo é vermelho; moedas pendem das árvores; a fumaça arrasta-se das chaminés; ladram, berram, gritam “Vende-se ferro!” – e a verdade?

Radiando para um ponto, pés de homens e pés de mulheres, negros e incrustados a ouro – (Este tempo nublado – Açúcar? Não, obrigado – a comunidade do futuro) – a chama dardejando e enrubescendo o aposento, exceto as figuras negras com seus olhos brilhantes, enquanto fora um caminhão descarrega, Miss Fulana toma chá à escrivaninha e vidraças conservam casacos de pele.

Trêmula, leve-folha, vagueando nos cantos, soprada além das rodas, salpicada de prata, em casa ou fora de casa, colhida, dissipada, desperdiçada em tons distintos, varrida para cima, para baixo, arrancada, arruinada, amontoada – e a verdade?

Agora recolhida pela lareira, no quadrado branco de mármore. Das profundezas do marfim ascendem palavras que vertem seu negrume. Caído o livro; na chama, no fumo, em momentâneas centelhas – ou agora viajando, o quadrado de mármore pendente, minaretes abaixo e mares indianos, enquanto o espaço investe azul e estrelas cintilam – verdade? Ou agora, consciente da realidade?

Preguiçosa e indiferente, a garça retoma; o céu vela as estrelas; e então as revela.