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Fogo a Queimar

Ontem te vi chorar mais uma vez. E, mais uma vez, fiquei de longe te olhando. Tuas chamas se apagavam e minhas esperanças não me incendiavam mais. O que esperam de ti é o mesmo que esperam de mim, mas estamos velhos demais para isso e eu já sentia teu cansaço há algum tempo. Lutar e lutar pelos nossos desejos quando ninguém mais liga para o que ainda chamamos de sentimentos.

Tu me perguntavas se era seguro enjaular o humano que havia em ti, como um animal. E eu te respondia que o animal era o que serias se assim o fizesses. Era mais fácil manter o fogo baixo e a paz borbulhando para que esta não pudesse transbordar do caldeirão. O pavio era curto e a fagulha estava pronta para queimar, mas tu aprendeste a manter a calma apenas com o olhar.

Nos disseram que tudo ficaria bem se, tudo bem, seguíssemos as tais malditas regras, e assim vivemos, sem o coração queimar. Andávamos como dois estranhos, calados, esperando o sol se pôr, a noite passar e um novo dia começar.

E se a noite não passa, qual nosso próximo passo? Há a intranquilidade em teus olhos e a insegurança em minhas mãos. Não há palavras que não se transformem em ódio para nos segurarmos. Todo um dia perdido apenas para ouvir e concordar, ouvir e consentir, ouvir e, mais uma vez, nos calarmos.

Onde está a tranquilidade que nos prometeram quando nos ensinaram a amar? Eu sei, ela só existe naquilo em que acreditam. O resto é erro, irreparável, que arrancam do peito, sem o mínimo de cuidado. E é em tom ríspido que nos fazem crer que o correto é o que dizem ser. Mas não cremos, é apenas silêncio, pois assim nos ensinaram a viver.

Na varanda de casa, o luar me lança seu olhar. Já são quatro horas, o vento sopra e eu na mesma posição, sem da cadeira me levantar. Pensamentos gritando e meu silêncio que se perdeu, outra vez, nesta noite insone.

Sei que é difícil e que nada posso te prometer, mas sinta o fogo queimar em tuas veias pelo desejo de ter tudo o que desejas ter.

Hoje eu me vi chorar pela última vez. E, pela primeira vez, eu já estava por perto, me abraçando.

Música de Inspiração

Contra quem se briga

Eu já estava tremendo de tanto gritar. Aquela discussão não estava fazendo nada bem a mim. Eu repetia com veemência tudo aquilo que acreditava e nem me importava se a outra pessoa estava prestando atenção, se tentava manter a calma ou se gritava o oposto pra mim de volta. Eu só queria extravasar.

Discutir com alguém que temos um sentimento forte (seja ele qual for) machuca de duas formas. Primeiro, saber que alguém que temos grande consideração ter um pensamento completamente oposto ao nosso (e eu não digo apenas de preferências, mas de atitudes e pensamentos que julgamos errado por nossa vivência), princípios estes que lutamos anos para vencê-los e que hoje sabemos que é errado, mesmo que outras pessoas não vejam um problema sequer nisso. E segundo, pela própria briga.

Não é de lágrimas que firmo essa conversa, mas do quanto fiquei inquieto. Eu não dormi por dias, eu não me concentrava nos meus serviços, eu mal respondia direito às perguntas comuns que outras pessoas me faziam. A comida ficava ali parada no prato por minutos. Até o peito batia mais forte e me deixava descontrolado, sem ar.

Foi por meio de outro amigo, comum entre nós, que voltamos a nos falar. Ele me tratou como se nunca houvesse brigado comigo, e nossa amizade seguiu como sempre foi.

E, realmente, a briga realmente nunca aconteceu, pelo menos não com ele. Montei todo um espetáculo em minha cabeça onde desabafei tudo aquilo que eu queria – de uma leve “discussão” que realmente tivemos, mas que nem durou 5 minutos, mas que fiz questão de estender em meus pensamentos. Era aquela máxima de pensar que tudo o que me incomoda deveria externado – e, sim, deve! Mas para além de meus pensamentos, de outras formas e, de preferência, sem machucar alguém – mas eu insisto em criar uma tempestade em minha mente, a partir de uma chuvinha de primavera.

É isso que nos adoece – por dentro. A cabeça pesa, sente o ódio que corre nas nossas veias, nos anseia, nos deprime. É a briga que parte de nós e morre em nós, deixando alguma cicatriz. Não quer nos deixar em paz. Enquanto isso, há alguém do outro lado que poderia nos ajudar, mas insistimos na teimosia. Não seria melhor conversar de forma saudável pra tudo ficar bem?

Talvez não, talvez isso fosse pacífico demais quando somos a própria guerra.

Liberte-se dos pensamentos que te matam e deixe que seus olhos vejam que há menos importância naquilo que não nos fazem a pena.

A novela de meus sonhos

Com a cara toda coberta de protetor, usando um chapéu estranhamente grande pra me proteger do sol, sujando meus pés naquela areia quente, despreocupando minha mente com aquele cenário maravilhoso de imenso azul onde avisto aquele belo corpo bronzeado se banhando naquelas águas salgadas.

Silenciosamente, vou te amando em minha mente, imaginando nosso casamento e pensando em vários nomes para nossos três filhos, enquanto você passa caminhando com sua prancha. E você nem me olha, como das outras vezes.

O corpo quente e a cabeça mais ainda, vendo a mesma imagem de hoje cedo. Na TV, passa uma comédia romântica em que estamos eu e você. Eu ainda nem sei seu nome, nem se você é herói ou vilão, mas já tenho toda uma imagem perfeita construída, num drama muito bem detalhado com o velho final clichê.

Mas só depois que consigo pegar num sono é que te vejo em meus sonhos. Você me envolve em seus braços e meu mundo fica de cabeça pra baixo. Sinto sua respiração forte em meus pescoços antes de seus lábios poderem tocá-lo, pois não é a primeira vez que te vejo por aqui, nem a primeira vez que te desejo.

E quando acordo, só eu consigo sentir seu cheiro, só eu posso ver sua sombra se movendo pela janela ou seu reflexo me abraçando no espelho, só eu posso sentir sua pele tocando a minha, quando na verdade nem aqui algum dia você pudesse imaginar estar, pois só em meus sonhos que podemos estar juntos, enquanto acordado vivo num sonho eterno.

Hoje  estou novamente no mesmo pedaço de areia quente, esperando você aparecer no imenso azul com sua prancha prestes a surfar. Já ligo meus pensamentos no final do último capítulo para dar seguimento próximo. A trilha sonora começa a tocar enquanto me perco em nossa vida, mas você simplesmente não aparece e uma tela sem sinal fica vagando. Essa telenovela precisou ser interrompida para sempre, pois não poderia continuá-la sabendo que nunca mais te veria.

If the World Didn’t Suck (We Would All Fall Off)

Quando eu tinha apenas dois anos,  meu pai, segurando-me em seus braços, olhou-me nos olhos e disse: “Você é capaz de dar seus próprios passos”. Pôs-me no chão e a cena seguinte consistia em um lento caminhar de uma pequena criança numa pequena sala. Quando eu cresci, segurando minha mão, ele me disse: “Não pare até encontrar seu próprio caminho”. Soltou-me e a próxima cena era de uma pequena criança, num corpo de um adulto, caminhando por uma grande sala conhecida como mundo.

E assim minhas primeiras pegadas faziam marcas por longos trilhos percorridos com uma grande interrogação pairada sobre minha cabeça. “Afinal, o que significavam suas doces palavras?”

Com minha mochila nas costas e pouca bagagem, viajei por histórias diversas. Fiz escolhas boas e más. Em algumas estradas, podia relaxar, descansar, tomar um pouco de sol e me banhar em águas claras, sentindo o frescor do vento da colina. Em outros, espinhos, subidas íngremes, buracos, cobras. Outros, não havia nada, simplesmente.

Algumas vezes me perdi. Curvas e bifurcações me confundiam e me intimidavam.Entretanto, fiz-me amadurecer e refletir a cada novo passo. Um pequeno tijolo chamado aprendizado que aos poucos iam levantando um grande castelo chamado sabedoria.

Durante minha jornada, sentava-me à sombra fresca de meus pensamentos e escrevia uma nova poesia. Novos forasteiros se ofereciam para caminhar ao meu lado. Outros, mais pretensiosos, guiavam-me por um caminho próprio. Era minha decisão segui-los ou não. Convenciam a mim sobre o que deveria ou não fazer. Aos poucos me moldavam.

Quando me apaixonei, o amor me levou a uma bela ilha e por um tempo pude apreciar uma nova paisagem. Pomares, represas, tigres e alpinistas, deram lugar a peixes, areia, palmeiras e água salgada. Um novo sabor a ser degustado.

Foi uma breve distração que, por algum tempo, me fez crer que ali se escrevia mais um final feliz. Não era verdade. Quando me dei conta, olhei para os lados e me vi solitário naquele paradisíaco lugar. Não deveria eu ter finalmente encontrado meu caminho?

Ao regressar, um novo impasse: alguns viajantes já não estavam mais ali e algumas de minhas poesias transformaram-se em pó logo soprados pelo vento. Aquela ‘pedra no meio do caminho’, me fizera tropeçar.

Então, pude perceber algo: minha história não terminaria assim. Caminhando por novas estradas, outros viajantes me encontravam e escreviam novas poesias em meu diário. Então, pela primeira vez, senti a liberdade tomar conta de mim. Eu mesmo era capaz de guiar outros tantos viajantes e escutar tão semelhantes histórias vividas.

Por tanto tempo, não percebi que aquele já era meu caminho. Não importava o quanto havia vivido, sempre outros trilhos surgiam e as más escolhas por vezes se repetiam, tais quais as boas, impedientes de desmotivação. Nestas, encontravam-se meu apoio.

Pare um pouco e me ouça com atenção. Se sua mente não tiver ciência de que estamos num ciclo em que apenas alguns personagens e meras características são capaz de sofrer suas generosas alterações, talvez você não compreenda que, enquanto aprendemos a dar nossos passos, já somos escritores de nossos livros, sem direito a apagadores ou borrachas. Somos o que somos para valer, não meros expectadores.

Por isso, é hora de fazer valer. Tenha os pés no chão. Tudo bem se a mente flutuar de vez em quando, é normal, mas lembre-se: você é o personagem principal. Não é hora de se caracterizar tal papel com tamanho afinco?

Ao finalmente retornar a meu lar, coloquei minha mochila sobre minha cama e a esvaziei, admirando cada item retirado. Encontrei poesias, canções, sonhos, odores, sabores, marcas, sujeira, lágrimas, sorrisos, olhares, lembranças, flores, roupas, brigas, amizades, amores, mistérios, verdades, mentiras, sins, nãos, talvez. Encontrei enredo. Encontrei desfecho.

Quando eu tinha apenas dois anos,  meu pai, segurando-me em seus braços, olhou-me nos olhos e disse: “Você é capaz de dar seus próprios passos”.

https://www.youtube.com/watch?v=J9ab1a0mtpg