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Parte de mim sombra

Depois de tanto caminhar, finalmente o encontrei. Ele se sentia só naquela rua sem movimento, numa noite fria e chuvosa. Estava usando uma jaqueta de couro branca, com uma camiseta branca, calça branca e o tênis branco. Seus cabelos tão bem alinhados, mas seu olhar se colocava assustado ao me ver. Eliminei toda voz e todo ruído para poder ser escutado. Decidido, me aproximei.

Não me lembro de quando nasci, apenas de ter sentido grande áurea negativa próximo a mim, oriunda de tanto ódio, tristeza e dor brotadas de repente. Pessoas tão amadas já não tinham o mesmo carinho, pequenas coisas ruins deixadas de lado já ocupavam um maior espaço de raiva.

Mais consciente, percebi que éramos duas pessoas dentro de um único ser. Enquanto ele era a esperança, o amor, a felicidade, eu era o a impaciência, o rancor e a tristeza. Com tanta coisa negativa acontecendo, dificilmente entrávamos em comum acordo. Aquilo nos irracionaliza e não nos permitia sair do lugar. Por isso, nos isolamos, tentando buscar um novo caminho, em comum acordo.

Mas eu era a impaciência. Não queria ceder nada. Então, cada um foi para um lado. Andei por trevas, infelicidade, por caminhos sombrios, difíceis de serem descritos. Passei um bom tempo alimentando ódio por aqueles que me fizeram sofrer, que me fizeram mudar quem eu era. Escrevi o nome de cada um para nunca me esquecer do terror que me causaram. Cada plano, cada passo, muito bem detalhado.

Mas a vingança não é o melhor caminho e eu sabia que aquele nunca foi e nunca será eu. Estava confuso, entrava em desespero, precisava reencontrar minha luz, recomeçar. Corri de volta ao início, demorei, me avistei. Meu eu-luz estava sentado no chão, sozinho, sem direção. Aproximei-me devagar. Mesmo tão opostos, ainda tínhamos uma conexão e, quando estávamos próximos, nos abraçamos, apertados.

Era uma sensação estranha. Sentia repulsa em nosso abraço. Era desconfortável, mas necessário. Ele sentia medo, eu sentia o mesmo.

“Por favor, ajude-me a fugir da escuridão que me tornei. Não vai ser fácil, mas talvez juntos possamos descobrir um meio de nos tornarmos um novamente, com todas emoções de forma equilibrada, racionalizados de que nenhuma delas vá nos derrubar daqui para frente. Eu preciso de você, não me abandone agora. Por favor, me salve. Há um grito forte de desespero entalado minha garganta”.

Parte 2 de 2 do conto

Parte de mim luz

Ele vem em minha direção, naquela noite chuvosa, onde poucos postes iluminam minha visão. Veste uma jaqueta de couro preta, uma camiseta preta, uma calça preta e tênis preto. Seu cabelo está levemente bagunçado, mas seu olhar é fixo ao meu corpo escorado em uma parede. Na rua, não há passageiros ou carros, não há vozes, não há barulhos, não há músicas.

Lembro-me de um tempo em que tentava ser feliz de todas as formas, mas tudo me frustrava. Meu primeiro relacionamento foi um desastre. Fui enganado de tantas formas que já nem me lembro como era o amor. Meus amigos apenas fingiam estar do meu lado, quando tampouco pensavam em mim. Minha família sempre desunida onde cada um só agia em benefício próprio. No trabalho, então, só decepção.

Entrei em minha fase de isolamento, fechando-me para o mundo em busca de autoconhecimento. Estava tão cansado que meus próprios pensamentos me sabotavam. Tornei-me o escuro de mim mesmo, com frases negativas e desespero. Era só tristeza e lamento.

Então, algo nasceu de mim. Correu para longe. Despareceu. Por fim, estava livre. Retomei o que havia perdido, com novos rostos, novos lugares. Tentei me adaptar à minha nova vida, respirando fundo, com novos sabores, com novas atividades. Tentei expulsar o pouco da tristeza que me restava, com poesia, com arte, com risada. Encontrei em novos amigos o que nos velhos me faltava. Parecia renascer em mim a velha felicidade.

Tentei, de diversas formas. Mas algo vazio ainda me habitava. De alguma forma, aquilo não era eu, mas nada me dava respostas. Tentei me reencontrar, mas não deu.

Foi então, naquela noite escura que vi aquele ser todo vestido de preto se aproximando de mim. Aos poucos, fui reconhecendo. Eu estava olhando para mim mesmo, com um semblante triste. Aquele meu eu-obscuro se aproximava e eu não conseguia fugir. Nem parecia ter vontade, na verdade. Ele me abraçou forte e meu peito se pôs em desespero. Ofegava forte, com o coração em ritmo acelerado. Meus olhos espantados, minha boca amarga. Tentei empurrá-lo para forte, mas ele era resistente. Então, percebi que não havia me livrado do passado.

Quando as lembranças me vieram, tudo ficou claro. No auge do meu desespero, não tentei me livrar do mal que havia me assolado. Passei por cima da tristeza, sem resolvê-la por completo. Ela se foi por um bom tempo, até acreditei estar curado.

Então, quando minha pior noite voltou, ele retornou. Quieto, calmo e forte com um abraço apertado.

Parte 1 de 2 deste conto

Firework

Hoje acordei com mais uma missão: ajudar um grupo de pessoas abaladas pelo mal da sociedade: o julgamento. Ela não é feliz e quer que nenhum ser vivente seja. Mesmo que deem o seu melhor, sempre haverá algo de errado. Entenda: o erro está neles.

Quanta gente. Nenhuma alegria. Esses olhares tristes me dão certo frio na espinha.

“Vocês estão todos aqui pelo mesmo motivo?” – Perguntei.

A resposta foi única: Não! Cada um alegava uma dor diferente.

  • Minhas amigas são todas magras, saradas, enquanto estou 25kg acima de meu peso. Não consigo um namorado e todos me apelidam de algum animal pesado.
  • Tenho apenas 9 anos e tenho câncer. Meus colegas de escola têm medo de se aproximarem de mim, pois não querem se contagiar com minha doença incurável.
  • Todos os homens da minha família são bem-sucedidos. Eu não. Meu carro é antigo, ganho um salário que mal paga minhas contas, tenho quase 40 e não me casei.
  • Sou gay. Perdi meus amigos quando me assumi, minha família mal fala comigo e os que ainda tentam, dizem que devo me curar, se eu quiser ser salvo ou se eu não quiser apanhar pelas ruas.
  • Sou negra. Tratam-me como uma escrava, como um ser inferior. Já tentaram me estuprar, dizendo que eu vim a esse mundo apenas para servir.
  • Minhas tatuagens e meus piercings não me permitem arrumar um bom emprego, tratam-me como um criminoso, mesmo que minhas atitudes sejam executadas pensando no bem do próximo.

Eram problemas diversos, mas todos provindos de uma mesma razão: a sociedade não os aceitava por serem diferentes. Pressão, por não estarem num padrão. São tantas palavras ruins que é impossível não se sentirem como um frágil castelo de cartas, facilmente derrubado com um sopro.

Com alto e bom som, iniciei meu discurso:

“Prestem atenção no que tenho a dizer! Vocês estão se permitindo afundar num mar de sangue e lágrimas que lhes puxam sem qualquer piedade. Tem sido uma luta difícil com tantos obstáculos, já presentes numa velha rotina. Precisamos sair disso, juntos!

Fechem seus olhos. Tudo está tão escuro, não é? Se vocês repararem bem, perceberão um pequeno ponto de luz, ao longe. Caminhem até ele, façam-no crescer até que sejam capaz de senti-la.

Todos aqui tem algo especial que o torna único. Talvez você ainda não tenha descoberto qual o propósito de seguirem por essa jornada. Eu sugiro que tentem, quebrem mais a cara, arrisquem-se mais. Talvez vocês percam a fé por ser algo tão trabalhoso e não verem um resultado tão breve, mas sei que cada um de vocês aqui hoje, começando pequenos ou não, vão surpreender cada pessoa que teve a audácia de julgá-los, de desacreditarem e dizerem que foram fracos.

E quando vocês reencontrarem a fé, esse pequeno ponto os envolverá. Esse pequeno ponto é a luz que os faz brilhar, que os faz pessoas melhores, que os faz olharem nos olhos de cada um e dizer: eu sou capaz, eu sou vitorioso. E essa luz, brilhando em você, se explodirá no céu, como fogos de artifícios, admirando a todos esses olhos que não fizeram parte de sua luta.

Agora vão! Lutem! A vida é muito curta para vocês lamentarem seus fracassos. É hora de se desafiarem, é hora de conquistar seus troféus, é hora de vencerem.”

À sociedade julgadora, um apelo: vamos parar com as críticas e elogiar mais, ajudar mais, olhar o que há de melhor nas pessoas e fazer desse um lugar melhor para viver? Reflita sobre esses atos. Eu acredito que possamos mudar e fazer a diferença, então: vem comigo. Vamos limpar essa bagunça que deixamos em nossos quartos.