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O filme do mochileiro das galáxias

Foram os golfinhos que tentaram nos alertar da destruição prévia do planeta terra, mas nós nunca entendemos a mensagem. Por isso, eles nos deixaram e junto, uma mensagem: “Até mais e obrigado pelos peixes”.

Introduzindo

Em 2005, a série de rádio de sucesso e, posteriormente, série de livros de Douglas Adams, o Guia do Mochileiro recebe sua versão em filme homônimo dirigido por Garth Jennings, produzido pela Walt Disney Pictures em outubro de 2003, dois anos após a morte do escritor. Mesmo sabendo que filmes geralmente não seguem a risca dos livros, o filme deixou muito a desejar e eu te digo o porquê.

Piadas sem sentido

Se você leu o primeiro livro, consegue entender bem o que se passa em cada cena. Porém, se você apenas assistiu ao filme, creio que muitas interrogações pairam em sua cabeça. O filme começa com a destruição da terra, após uma conversa entre Arthur Dent e Ford Prefect, regrada de 3 canecas de chopps (alguém reparou numa senhora que fica parada olhando para o rumo dos protagonistas sem motivo aparente?), mas a conversa toma outro rumo quando Arthur, sem prévio aviso, começa a contar sobre como conheceu Tricia Mcmillan.

Já de cara, é perceptível como o filme perde muito do humor do escritor, como na parte em que Ford apenas oferece cerveja para os operários que querem destruir a casa de Arthur, ao invés de confundi-lo. Na obra, há todo um diálogo sobre como não há diferença se for Arthur ou qualquer outra pessoa (inclusive, o próprio operador de trator) que ficasse ali deitado, enquanto eles vão tomar uma cerveja no bar ali do lado. Arthur ainda vai sem problemas com Ford, sem esboçar qualquer sinal de preocupação, seja porque vai perder sua casa ou o seu planeta.

Outro ponto: se a toalha é um item tão importante, tanto que ganhou uma página exclusiva no livro e um dia a ser comemorado em nosso ano, por que no filme sua importância foi resumida a uma fala de Ford? “Cadê a toalha?”

Também fica a dúvida: como Ford foi parar na Terra e o que ele estava fazendo lá? Outras piadas que envolvem deixar seres intergaláticos confusos, como na cena em que os seguranças dos Vogons vão expulsá-los da nave e a única frase que eles dizem é “Resistir é inútil” (poxa, gente, tinha toda uma questão filosófica aí).

Uma das melhores partes

Confesso que adoro o fato de transformarem a cena de revelação da pergunta fundamental sobre a vida, o universo e tudo mais em um grande evento: com um grande público que vibrava a cada sentença que o super computador diz: “A resposta para a questão fundamental da vida, o universo e tudo mais é…”

(Pausa dramática)

42.

MagratheaA origem de tudo

O grande computador diz aos criadores que, não basta saber a resposta, é preciso entender qual a pergunta fundamental para a vida, o universo e tudo mais. Por isso, eles precisam construir um supercomputador de 10 milhões de anos para a questão. Entretanto, dois dias antes de encontrarem a resposta, os – transformados em – ratos (a primeira espécie mais inteligente da terra, seguido dos golfinhos e depois os humanos) veem a Terra ser destruída pelos Vogons. Por isso, eles precisam partir para Magrathea, um planeta onde ricos podem encomendar seu próprio planeta (alguém encomenda a segunda Terra).

Finalizando

O filme é mediano, mas ilustra boa parte do livro, para quem precisa de um reforço, visto que o livro precisa de uma atenção um pouco maior para aqueles que não estão acostumados com o humor no estilo britânico de Douglas. Entretanto, muitas piadas se perdem, pois muitas frases soltas são jogadas do nada no mesmo filme (como a cena em que Ford começa a girar uma manivela na nave Vogon e apenas diz que nada está acontecendo ou quando Arthur aperta um botão e apenas aparece a mensagem: “não aperte este botão novamente). Neste caso, a ordem é ignorar a piada (qual?) e seguir vendo o filme.

Leve sua toalha

Era aquele terrível ruído que não parava de gritar. Aos poucos, vou sentindo meu corpo, resistente a acordar, enquanto minha pele se arrepia pelo vento frio que entra pela pequena fresta da janela. Esfrego meus pés cobertos para que eles não se entreguem àquela temperatura gelada. Abro os olhos, mas ainda vejo muita escuridão no ar. Quem é que está me gritando a essa hora da madrugada?

Meus olhos mal conseguem se manter abertos. Sob o edredom, acendo a luz do relógio. “Cinco”. Fecho os olhos. Abro. Acendo novamente a luz. “Três”. Volto a fechar. Me aconchego no travesseiro. Abro os olhos novamente, com dificuldade. “Nove”. “Cinco, três, nove”. As três palavras ecoam na minha cabeça por um tempo. “Cinco, três, nove, cinco, três, nove. Cinco e trinta e nove”. Dou um salto da cama.

– NOVE E TRINTA E CINCO.

Bum! Do andar de baixo da minha casa, ouve-se um estrondo. “Será que o teto vai rachar?”, pensam os ratos. No andar de cima, um corpo caído no chão. Imóvel. Estaria morto? Não! Apenas um adulto num corpo velho que não conseguia se mexer por conta da coluna.

– Nove e trinta e cinco – é a única coisa que penso, enquanto gemo de dor.

Era segunda-feira. Fazia frio enquanto, aos poucos, meu corpo gelado se levantava do chão gelado procurando um agasalho. Me visto conforme manda a festa de um inverno matutino, logo após derrubar meu despertador que não paro de gritar.

Nove e quarenta e dois. Trabalho. Ligar. Chefe. Arrumar desculpa. Não posso trabalhar hoje.

– Não era seu dia de folga hoje? – Ele pergunta.

Desligo, constrangido. Termino de me vestir. Do lado da cadeira, cuja a única função era servir de arara para minhas roupas já usadas, uma toalha. Olho confuso para o calendário e abro um sorriso.

“É hoje”.

No celular, três chamadas perdidas. Era Forge, meu melhor amigo. Olho as mensagens e lá estava: “Estarei te esperando às 10 no mesmo bar de sempre. Preciso te contar algo importante”.

Desço correndo os 42 degraus da minha casa. O barulho dos meus passos assustam os ratos da sala. Antes de sair, na tela do meu computador, uma animação em que o planeta terra se explodia, dando lugar a uma via inter-espacial.

“Estranho, não me lembro de ter deixado o computador aberto”.

Saio de casa. Do lado de fora, tratores amarelos e um cara deitado na grama de frente para eles. Não dou a mínima, pois meu único pensamento que tenho é “quem bebe a essa hora da manhã?”.

Entro no bar. Tudo aparentemente normal. Forge possuía um rosto assustado, estava bem-vestido, guardava uma mala do lado de sua cadeira e terminava seu terceiro copo de cerveja. Após nos cumprimentarmos e ele me servir o segundo copo (tomei rápido o primeiro pra ver se me despertava), olhei para ele e lhe perguntei:

– O que é tão importante?

– Precisamos sair desse lugar. Ele está prestes a ser demolido.

Algumas pessoas do bar o olham assustados.

– Tudo bem, podemos ficar lá em casa.

– Não, você não está entendendo. Tudo aqui será destruído. Este bar, seu quarto, sua casa, esta rua, todo o planeta terra.

O bar fica um pouco mais alarmado. Ainda imaginando que fosse o efeito do sono misturado ao da cerveja, dei de ombros e voltei para meu copo. Ele, incrédulo com minha indiferença, me agarra pelos braços, olha nos meus olhos e aumenta seu tom de voz.

– Você não acredita não é? Escuta, eu sei o que eu estou falando. Eu nunca te disse isso, mas eu não sou da Terra. Eu vim de um pequeno planeta chamado Betelgeuse para espionar o modo de vida dos terráqueos e poder salvar vocês de uma terrível destruição do planeta Terra pelos Vogons para construírem uma via expressa intergalática. Não há tempo para nada. Apenas pegue sua toalha e vamos esperar do lado de fora por nossa carona espacial.

Todos do bar saem correndo, exceto eu e ele (o dono do bar já estava dobrando a esquina). Demorei a assimilar sua mensagem. Pensei em agir de muitas formas diferentes, enquanto continuávamos nos olhando sem que um dos dois pudesse reagir. Então, após ele dar uma boa gargalhada e eu notar que ele também estava usando sua toalha em volta de seu pescoço, me dou conta do ocorrido. Dou-lhe um empurrão e sorrio.

– Você quase me pegou, Forge.

– Feliz dia da toalha, Arthur.

Como Enfrentar Thor

A festa inclinou-se e balançou, fazendo com que todos cambaleassem, exceto Thor e exceto Arthur, que olhava, tremendo, dentro dos olhos negros do Deus do Trovão.

Lentamente, inacreditavelmente, Arthur levantou o que pareciam ser seus pequenos punhos magrelos.

― Vai encarar? ― disse ele.
― O que disse, seu inseto nanico? ― trovejou Thor.
― Eu perguntei ― repetiu Arthur, incapaz de manter a firmeza na voz ― se você vai encarar? ― Moveu ridiculamente seus punhos.

Thor olhou para ele com total incredulidade. Então uma pequena nesga de fumaça subiu, saindo de sua narina. Havia uma chama bem pequena lá dentro também. Colocou as mãos no cinturão. Encheu o peito, só para deixar bem claro que aquele era um homem cujo caminho você só ousaria cruzar se estivesse acompanhado por uma boa equipe de Sherpas.

Desprendeu o cabo de seu martelo do cinturão. Segurou-o em suas mãos, deixando à mostra a maciça marreta de ferro. Dessa forma eliminou qualquer dúvida eventual de que estivesse apenas carregando um poste por aí.

― Se eu vou ― disse ele, sibilando como um rio correndo pelo alto-forno de uma refinaria ― encarar?
― Sim ― disse Arthur, com a voz súbita e extraordinariamente forte e belicosa.

Sacudiu os punhos novamente, dessa vez com firmeza.

― Vamos resolver isso lá fora? ― rosnou para Thor.
― Tudo bem! ― tonitruou Thor, como um touro enfurecia (ou, na verdade, como um Deus do Trovão enfurecido, o que bem mais impressionante), e saiu.
― Ótimo ― disse Arthur ―, ficamos livres dele. Slarty, nos tire daqui.

Créditos

Trecho retirado do livro “A vida, o universo e tudo mais”, terceiro da série “O mochileiro das galáxias”, de Douglas Adams

Como enfrentar Thor

A festa inclinou-se e balançou, fazendo com que todos cambaleassem, exceto Thor
e exceto Arthur, que olhava, tremendo, dentro dos olhos negros do Deus do Trovão.
Lentamente, inacreditavelmente, Arthur levantou o que pareciam ser seus pequenos
punhos magrelos.
― Vai encarar? ― disse ele.
― O que disse, seu inseto nanico? ― trovejou Thor.
― Eu perguntei ― repetiu Arthur, incapaz de manter a firmeza na voz ― se você
vai encarar? ― Moveu ridiculamente seus punhos.
Thor olhou para ele com total incredulidade. Então uma pequena nesga de fumaça
subiu, saindo de sua narina. Havia uma chama bem pequena lá dentro também.
Colocou as mãos no cinturão.
Encheu o peito, só para deixar bem claro que aquele era um homem cujo caminho
você só ousaria cruzar se estivesse acompanhado por uma boa equipe de Sherpas.
Desprendeu o cabo de seu martelo do cinturão. Segurou-o em suas mãos, deixando
à mostra a maciça marreta de ferro. Dessa forma eliminou qualquer dúvida eventual de que
estivesse apenas carregando um poste por aí.
― Se eu vou ― disse ele, sibilando como um rio correndo pelo alto-forno de uma
refinaria ― encarar?
― Sim ― disse Arthur, com a voz súbita e extraordinariamente forte e belicosa.
Sacudiu os punhos novamente, dessa vez com firmeza.
― Vamos resolver isso lá fora? ― rosnou para Thor.
― Tudo bem! ― tonitruou Thor, como um touro enfurecia (ou, na verdade, como
um Deus do Trovão enfurecido, o que bem mais impressionante), e saiu.
― Ótimo ― disse Arthur ―, ficamos livres dele. Slarty, nos tire daqui.

 

Retirado do livro “A vida, o Universo e Tudo Mais”, de Douglas Adams (3º livro da série “O mochileiro das galáxias”)

Lições sobre como voar

Introdução
O Guia do Mochileiro das Galáxias diz o seguinte a respeito de voar:
Há toda uma arte, ele diz, ou melhor, um jeitinho para voar. O jeitinho consiste em aprender como se jogar no chão e errar. Encontre um belo dia e experimente.

Primeiros passos: Se jogue!
A primeira parte é fácil.
Ela requer apenas a habilidade de se jogar para a frente, com todo seu peso, e o desprendimento para não se preocupar com o fato de que vai doer. Ou melhor, vai doer se você deixar de errar o chão.

Erre o chão!
Muitas pessoas deixam de errar o chão e, se estiverem praticando da forma correta, o mais provável é que vão deixar de errar com muita força. Claramente é o segundo ponto, que diz respeito a errar, que representa a maior dificuldade.

Problemas de quem não erra o chão
Um dos problemas é que você precisa errar o chão acidentalmente. Não adianta tentar errar o chão de forma deliberada, porque você não irá conseguir. É preciso que sua atenção seja subitamente desviada por outra coisa quando você está a meio caminho, de forma que você não pense mais a respeito de estar caindo, ou a respeito do chão, ou sobre o quanto isso tudo irá doer se você deixar de errar.
É reconhecidamente difícil remover sua atenção dessas três coisas durante a fração de segundo que você tem à sua disposição. O que explica por que muitas pessoas fracassam, bem como a eventual desilusão com esse esporte divertido e espetacular.

A dica de ouro é: Distraia-se!
Contudo, se você tiver a sorte de ficar completamente distraído no momento crucial por, digamos, lindas pernas (tentáculos, pseudópodos, de acordo com o filo e/ou inclinação pessoal) ou por uma bomba explodindo por perto, ou por notar subitamente uma espécie
muito rara de besouro subindo num galho próximo, então, em sua perplexidade, você irá errar o chão completamente e ficará flutuando a poucos centímetros dele, de uma forma que irá parecer ligeiramente tola.

Balance e flutue, flutue e balance!
Esse é o momento para uma sublime e delicada concentração.
Balance e flutue, flutue e balance. Ignore todas as considerações a respeito de seu próprio peso e simplesmente deixe-se flutuar mais alto.

Foco!
Não ouça nada que possam dizer nesse momento porque dificilmente seria algo de útil.
Provavelmente dirão algo como: “Meu Deus, você não pode estar voando!”
É de vital importância que você não acredite nisso: do contrário, subitamente estará certo.

Aperfeiçoe seu voo
Flutue cada vez mais alto.
Tente alguns mergulhos, bem devagar no início, depois deixe-se levar para cima das árvores, sempre respirando pausadamente.

NÃO ACENE PARA NINGUÉM.
Quando você já tiver repetido isso algumas vezes, perceberá que o momento da distração logo se torna cada vez mais fácil de atingir. Você pode, então, aprender diversas coisas sobre como controlar seu vôo, sua velocidade, como manobrar, etc. O truque está sempre em não pensar muito a fundo naquilo que você quer fazer. Apenas deixe que aconteça, como se fosse algo perfeitamente natural.

A parte final: O pouso!
Você também irá aprender como pousar suavemente, coisa com a qual, com quase toda certeza, você irá se atrapalhar ― e se atrapalhar feio ― em sua primeira tentativa.

Clubes privados de voo – faça amizade com quem também está neste ramo.
Há clubes privados de voo aos quais você pode se juntar e que irão ajudá-lo a atingir esse momento fundamental de distração. Eles contratam pessoas com um físico inacreditável ― ou com opiniões inacreditáveis ―, e essas pessoas pulam de trás de arbustos para exibir seus corpos ― ou suas opiniões ― nos momentos cruciais. Poucos mochileiros de verdade terão dinheiro para se juntar a esses clubes, mas é possível conseguir um emprego temporário em um deles.

Texto retirado de “A vida, o universo e tudo mais”, componente da saga “O mochileiro das galáxias”, de Douglas Adams