Há algum tempo que te observo através deste vidro. Parece uma eternidade teu sofrimento. Já se tem passado um bom tempo desde o início de tudo isso.
Penso em te perguntar sobre teus pensamentos, mas as palavras não me saltam da boca, pois sabe que não existe uma resposta simples. Sentimento tão confuso, até mesmo para teu ser.
A joia da confiança se quebrou e a esperança se esfumaçou. Olhos lacrimejando por um mundo que não existe, outro que não é teu. “O que faço por aqui?”
Mundo vazio ao qual não pertences. Com todos aqueles manequins e aquele dinheiro que nunca terás. Busca compreender porque o mal prevalece por tantas coisas que jamais levaremos. Se aqui está, daqui não sairá.
Tudo tão certo para eles. Crenças como alicerces, um álibi para julgar um irmão. Pensamento que se molda de tantas formas para destruir o que outro irmão também construiu. Um carro na mão, um pouco de álcool no sangue e sou capaz de matar mais um irmão.
E eu tenho te observado por este vidro há algum tempo. Se todos são assim, por que te sentes tão deslocado? Um vínculo a este mundo te faz igual a todos estes.
Teus olhos, frente a uma bela paisagem, apenas observam o que está dentro de si, contradizente. Por mais que você diga não, se sentirás culpado. Os dedos te apontam todo o tempo, “seu fraco”. O mundo todo está contaminado e não haverá vacinas “nem para ti. Não insista.”
“Eu te protejo de tudo. Aqui não é tão ruim, portanto não te mantenhas em defensiva. Abre mão de teus princípios para poder viver bem. Não transformes em rocha teu pensamento tão hostil. Somos bons, permite-nos uma só chance.” – e à insistência disfarçada de doces canções, acompanha-se o punhal.
E daí se faz o conflito interno. Abrir mão de quem somos, usando máscaras e vivendo uma felicidade que apenas nos cobre impenetravelmente ou amargarmos num interior abraçados pela solidão incompreensível? Eu não saberia descrever esse sentimento distinto à realidade frente a meus olhos marejados e incuráveis pelo tempo.
E tu apenas te sentas de costas para essa parede de vidro, esperando teu corpo parar de sangrar. Quanto tempo ainda há se de aguentar? Parece uma eternidade, mas há algum tempo que tenho me observado através deste vidro.
Talvez força não seja qualidade predominante de alguém “forte”.
Em todo canto, pessoas cercando a cada movimento, no ensejo de obter aquele ar de segurança tão invejado.
Forte por fora, amedronto por minha figura sólida de postura rígida. Pedido transformado em ordem ao decréscimo de um semitom, uma leve pausa e um olhar de desprezo.
A obra se faz de um conjunto: o vestido longo, os incríveis 1,90. Pintura de mulher fatal desfilando sobre 15 centímetros de salto.
A pergunta se repete: “Como pode ser tão perfeito?”. Provoco. Admiração que faz tão bem. De admirados para meros lacaios. O bico fino pisa e esmaga até que a mão ceda o desejado. Poder, o maldito permitindo ter o que quero, quem quero e quando quero. Não há o que se negociar.
Asas negras de um demônio vistas apenas como as brancas de um anjo. O defeito que todos desejam ter. O espírito sanguinário que você já pensou em ter. A vilã aclamada e incontrolável.
O que ninguém sabe, guardo no mais profundo íntimo. O pior defeito, mas a melhor qualidade. Você vê meus óculos escuros, mas não a lágrima caindo ali dentro. Consciência de tudo estar errado. Culpa. Não, você não precisa vê-la escorrendo.
Aquela mulher fria carrega em si a menina solitária que você não conhece e nunca o fará. A menina que pede socorro com gritos muito bem abafados. A mesma menina, que nas noites mais frias e sombrias, chora para seu travesseiro. Corroída pelo Mal que não pode ser derrotado e que vem tomando conta de cada pedaço bom que ainda lhe resta.
E é esse mal que te inspira a sê-lo (e aos poucos toma conta de seu ser…).
De todos os males profundo
Vivo aquele que me faz sentir melhor
Pois crio um vasto mundo
Em que me faço maior.
De todos os lugares do mundo
Nado em mares tão rasos e tão profundos
Pois em meus próprios pensamentos
Sou capaz de criar meu mundo.
De tantas belas criaturas
Personagens, histórias e magias faço vida
Com palavras de um distinto adulto
Mas pelos olhos de uma criança ainda não crescida.
Deste mundo que crio ao me sentar
Deste mundo que de mim não só faz imaginar
De todo um mundo que dou asas a voar
Sou rei, sou plebeu, sou príncipe, sou Romeu.
Sou bicho, sou gente, sou árvore, sou mente.
Sou tudo, sou eu.
O mal do poeta é ter um mundo
Um mundo só seu
Um mundo que não existe
Mas um mundo que lhe pertenceu.
A beleza é criada quando o conceito transmite as qualidades da pessoa - força, criatividade, dinamismo, meiguice ou autocontrole, por exemplo - e quando a forma valoriza as características físicas positivas, expressa harmonia e é criada de acordo com os princípios de estética.