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O Vazio de Anos

A rotina era a mesma. Eu continuava a morar na mesma casa já há mais de 10 anos. Como todos os dias, acordo às seis horas da manhã, escovo meus dentes, tomo meu banho, coloco meu uniforme de trabalho e tomo meu café. Olho para frente, vazio.

Às sete, tiro meu carro da garagem, vou para o serviço. Chego faltando cinco minutos para às oito. Trabalho, meus colegas estão ali para me ajudar e, vez ou outra, jogar uma conversa fora. Ao meio-dia, almoço. Volto à tarde. Antes das dezenove, estou em casa.

Chego em casa cansado, mas ainda coloco uma roupa leve para fazer uma corrida na rua. Depois de meu exercício, volto para casa, tomo um banho, preparo o jantar. Na mesa, dois pratos. Olho para frente, vazio.

Uma troca de meias palavras, mas o olhar segue vazio. Alguém à frente, mas continua vazio. Dez anos morando na mesma casa, mas há algum tempo, ela já seguia vazia. O silêncio reinava em minhas noites e em meus dias. Eu me deitava na cama, virava pro lado e apenas dormia.

Somos duas pessoas estranhas sob o mesmo teto, mas estranhos, compartilhando a mesma rotina. O anel de ouro diz que somos casados, mas o coração diz o contrário. Há um vazio tão profundo que não perturba.

Tudo continua como sempre, mas o amor foi embora há tanto tempo que já não me lembro quando foi. Deixamos ir e não resgatamos o que era nosso. Agora é tarde para voltar. Não há carinho, não há sentimento, não há amizade, não há troca de olhar. Só há um silêncio em que ambos preferiram adotar.

Tudo está tão cômodo que penso em continuar assim como estamos. Não foi o que pedi, mas não tenho outros planos. Assim sigo, vazio, com alguém que me é estranho. Seria este o caminho que escolhi ou o caminho que deixei ficar?

Frio para sair

O vento, em minha janela, bate tão forte que não me deixa sair da cama. Vejo daqui as ruas totalmente brancas. Não, eu não quero me levantar. Aqui dentro, pelo menos, tenho aquela sensação de que está tão quentinho embaixo das cobertas.

Ah, que delícia esse frio. É a estação que mais gosto. Com dificuldade, saio da cama, tiro minha roupa…

Frio, frio frio…

Corro até o chuveiro que despeja seu banho quente em mim. Que delícia! O banheiro todo se enche de vapor. Aproveito pra fazer meus desenhos no vidro do espelho (e deixo o chão ensopado).

Mal saio do banho e o frio já me pega de jeito. Visto-me rápido. Coloco aquelas minhas luvas da Lufa-Lufa, minhas meias grossas, meu gorro e meu cachecol amarelo com preto. Estou pronto pra sair, até que…

Frio, frio, frio…

O vento gelado bate em meu rosto tão forte que quase desisto…

Mas, pô, é inverno! É a melhor estação do ano!

Vejo crianças atirando bolas de neves nas outras (coitado do garotinho de olhos castanhos, caiu de jeito e ficou todo ensopado! Ele chorou? Não! Apenas começou a fazer um boneco de neve, sendo imitado pelas outras crianças). Vejo bonecos de neve sendo criados (ei, esse parece comigo! Meu nariz nem é tão grande).

E as pessoas, como ficam belas! Essas roupas, essas botas, esses gorros. Parece que estou na Europa, tomando meu chocolate quente que ganhei da vizinha. Ela sabe açucará-lo do jeito que eu gosto (Ah! Se depois não lhe faço uma visita, só pra não ver a gripe me pegar).

Ah! Como eu amo o inverno! A neve, as roupas, o chocolate, o banho quente e o calor que nos envolve embaixo do cobertor quando nos envolvemos em outros braços, ardentes.

 

Cuide do coração que cuida do seu

Deixe-me dizer uma coisa, pequeno jovem. Se alguém te dá o coração que a este pertence, não o destrate caso o aceite, pois o coração é aquilo que melhor temos.

Ninguém é tolo por amar, nem por ter um bom coração. A culpa não é de quem o tem, não é de quem tenta transformar o próprio mundo em um lugar melhor. O coração bom, resistente a tantas adversidades que o mundo lhe traz, só olha para o lado otimista, o lado que melhor for positivo para todos (ou para a maioria).

O coração bom, e torno a dizer, não é tolo. Não é culpa dele se o mundo tenta lhe corromper. Nem tão pouco é ingênuo: Conhece muito bem arredores de onde habita. O coração bom tem poder transformador: transforma o mau em algo bom. Se não consegue, pelo menos tenta. Pra ele não é uma perda de tempo.

Dentro de cada um de nós há ou já houve um coração bom. Alguns o esqueceram ou o perderam na descrença de um mundo melhor. O que te levou a deixá-lo por aí, com frio ou em alguma longe esquina, sentindo-se só?

Muitos ainda o preservam, mesmo que “deixá-lo de mão” seja sempre um conselho. Ora, eu sei o que os outros falam, pra mim não é nenhum segredo. “Tenha um pouco mais de malícia, assim ninguém te passará para trás”. Mas vejam só se isso é correto dizer: Se ser bom é ruim, então mau é que deverei ser?

Por isso, meu amigo, se você receber um coração bom, mas não for capaz de amá-lo da mesma forma, não o aceite. O coração bom também tem seu lado frágil que pode parti-lo em mil pedaços. Curá-lo é difícil e leva tempo, traz dor a quem o carrega. Cicatrizes ficam para toda a vida e isso eu não preciso dizer. Se você não gosta de ter seu coração bom, faça-me um favor: Afaste-se de quem ainda o merece ter!