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Esta eu não sei dançar

Corro pela cidade, passando por cada lar. Cada qual em sua própria bolha, fechados, não posso entrar. Há um mistério que nos ronda quando o brasão da confiança surge no ar. Quais dos meus milhões de segredos eu escolho pra poder contar? 

Ao longe, vejo um grupo de pessoas se posicionando sob a luz do luar. Sob as estrelas, o céu escuro observa que uma pequena roda começa a se formar. Há uma praça, levemente iluminada, por alguns postes pichados, circundando uma fonte d’água que, há anos, não deixa nenhuma criança se molhar. Talvez ela só não esteja tão seca quanto a minha vontade de entrar naquela roda e participar. 

Na roda eu não me encaixo, na roda eu não quero entrar, porque essa roda só roda no ritmo em que eles querem dançar. E essa dança é triste. Ela é preta, branca e, às vezes, uma cor pra enfeitar. Mas eu não tenho uma só cor, pois todas elas são bem-vindas. Eis o meu jeito de dançar.  

Aos poucos, me afasto. Um ou outro me para. Querem conversar. Eu não sei o que você quer de mim, se todos os meus atos têm um conselho seu. Parece que alguém te ensinou que todos os meus passos estão errados e que você é o mentor que vai me tirar do buraco. Mas, não me engano, eu também sei. Tenho uns anos bem vividos e, por alguns castigos, também passei. A experiência me faz ser o ser que a experiência do seu ser não consegue ver. 

Sou eu o errado por não querer ter nenhum de vocês ao meu lado? Essa vibe de querer me fazer dançar apenas o que eles querem dançar não está em nenhum dos meus contratos. Deixe-me criar minha própria dança, deixe-me ser feliz com minhas próprias escolhas. O seu conselho pode até ser bom em algum momento, mas se você me força, se eu não quero, fica quieto. Cada um em seu caminho, tão simples! Não precisa insistir. 

Há uma teoria. Um pouco falha, mas que tenho prestado atenção. Aquele que te aconselha, que tudo crê que em sua vida é um aprendizado, só te fala o que lhe convém. E, quando é hora de ouvir, te ignora, te refuta ou se justifica, pois, em suas palavras, não há agrado. 

É. Aquela roda é bonita de se ver. De longe. Aquela roda tem sua própria luz. Mas, agora, sigo o meu caminho, do meu jeitinho. O que eu crio é mais bonito pra mim, claro, pois só eu sei dos passos que a vida tem me ensinado. E a minha dança, mesmo incompleta, é o meu legado. 

Créditos:
Photo by Sora Sagano on Unsplash

Castelo de recordações

Era perigoso andar por esses lados afastados da cidade, numa madrugada sombria, com um céu ameaçando chover enquanto clarões de raios iluminavam o céu, mas algo me levava até lá sob alguma proposta. Não precisei vir de carro, mas a caminhada foi longa. Não possuía qualquer mapa, mas algo me dizia ser aquele o caminho. Não tinha medo.  

No fim da estrada, havia uma casa gigante, que mais se parecia um castelo. Por ali, os raios eram mais agressivos e as trovoadas me ensurdeciam. Uma parte de mim me dizia para afastar, mas outra me encorajava pra ver o que mais tinha. Um terceiro sussurro, distante, tentava me contar que aquela não era a primeira vez que estava ali. Então, me aproximei de uma porta gigante de madeira, toquei o interfone e entrei assim que a porta se abriu sozinha, rangendo. 

A sala era pouco iluminada e os outros cômodos aparentavam ser da mesma forma. No cômodo seguinte havia janelas grandes, pareciam portas flutuantes, que deixavam a luz natural dos raios entrar, revelando alguns quadros presos na parede. Com uma visão um pouco turva e com um clarão que durava menos de dois segundos, via-os rapidamente. Pareciam monstros atacando suas vítimas, visão nada agradável. 

Entrei no terceiro cômodo. Uma cadeira de madeira num pequeno cubículo, a porta pesada de ferro e nenhuma outra saída. Próximo à cadeira, uma corda e algo que lembrava uma corrente. Vi algo pequeno e estranho se mexendo no chão. Talvez, minha imaginação. 

Saí de lá, havia outro cômodo. Correntes novamente, mas presas no teto. Peguei algo no chão que parecia ter sido confeccionado em couro. Era pesado, grosso e parecia ter um metro de comprimento. E em uma última sala, água em um reservatório gigante. 

Mais alguns passos e entro na cozinha. Lá já era melhor iluminado. Vejo uma mesa grande, sozinha, cheia de comida. Como adivinharam, eu estava com fome! Sento na ponta da mesa, arranco a coxa de um frango assado e começo a comer. Bebo um pouco de vinho, engulo uma uva, como um pouco de milho. A fome era tanta que quase não percebo algo gelado tocar meu ombro. Não dá tempo de virar, estou no chão, tossindo forte, sentindo a traqueia se fechar. Aos poucos vou perdendo o ar. Sou levantado bruscamente e levado contra a parede. Minhas costas sentem a dureza dos blocos de pedra e são empurradas contra ela, cada vez mais forte. Mal consigo ver o rosto do indivíduo. Minha condição física quase não permite, mas sou capaz de jurar que vi uma máscara escondendo sua identidade. 

Ele me solta e vai em direção oposta. Parece que vai em busca de algum objeto, disposto a arrancar minha própria vida. Tento me mover engatinhando, mas é difícil se arrastar naquele estado. A respiração cada vez mais difícil. Vomito, era o único jeito. Aos poucos, vou recuperando meu ar e saio atropelando meus próprios passos. Ele percebe e vem correndo em minha direção, segurando seu facão que ainda não estava totalmente afiado. Consigo energia de onde nem sei e vou correndo, até chegar ao salão principal do que se parecia um castelo. A porta estava fechada. Ele adentra o cômodo por outro lado e me olha pacientemente. Estou assustado, suando frio, imaginando o que poderá acontecer e por que tudo aquilo comigo. Ele continuava parado, observando meu arrepio. 

Mas, talvez, a cena mais assustadora que vi naquele dia, foi a que surgiu diante de mim quando uma festa de raios iluminou o céu naquela noite. Deixando totalmente clara aquela sala, finalmente pude observar melhor os quadros decorados naquele lugar. Aquelas salas que antes visitei, eram todas de tortura. Uma pessoa estava amarrada na cadeira com aquela corda, pernas presas pelas correntes e ratos próximos. Era uma pessoa de corpo esquelético e uma cara sempre assustada. Na outra, ela era açoitada por um chicote, de pé, mãos amarradas por correntes. Na última, afogada naquele tanque de água da outra sala. 

Era perceptível que aquela era uma casa de torturas, era perceptível que havia anos que aquela pessoa era torturada. Era provável que aquela tivesse sido a última vítima do monstro que me perseguia, e que seria eu o próximo. Olhei as fotos mais uma vez e vi o torturador e logo olhei para meu perseguidor, procurando certas semelhanças. Então, reparei seus braços marcados por correntes, reparei seus pés marcados por correntes. Reparei sua fisionomia esquelética. Quando dei por mim, estava olhando as fotos na parede mais uma vez. O monstro não se parecia nem um pouco com o meu perseguidor. O monstro, na verdade, era totalmente fiel à minha semelhança. 

Para sempre e verdadeiro, o amor companheiro

O princípio de um amor inocente,

Pode ser um tanto bobo pra quem olha

Um sorriso, um gesto, um vinho, um poema

E o telefone que toca toda hora.

 

O amor inocente, sincero e verdadeiro

Não consegue se desgrudar por um ano inteiro

É primavera, no outono, no verão e até no inverno

É primavera de janeiro a janeiro.

 

O amor, feito de um sorriso,

Pode vir escrito na areia, num coração gigante

Pode vir em contos, música ou romance

Pode vir iluminado por um sol estonteante.

 

O amor, em outras palavras,

Inspira melodia, poema e até verso cantado

Mas o que importa com toda certeza

É quanto dele se tem guardado.

 

Mas o amor pode ter suas fraquezas

Repleto de algumas impurezas

Quando algo não vai bem, tem que ter paciência

Isso também faz parte de sua natureza.

 

Só que não é de qualquer amor que quero falar

Nem de livros, filmes ou romances de outrora

Sabe esses dois jovens que há pouco se casaram?

Pois é, conto aqui um pouco de sua história.

 

Ele, crescido na roça

Tornou-se um bom pescador

Com seu sorriso e sua simplicidade no anzol

Pescou pra sempre o seu amor.

 

Ela, com seus livros de capas tão belas

Apanhou aquele de suas mais adoráveis memórias

Era um livro com muito a se escrever

Era o livro para registrar suas felicidades em forma de história.

 

E eu vi esse amor crescer

Gritar, rir, fazer tudo a pena valer

Eu vi vocês dois sorrindo

Eu vi a felicidade florescer

Eu vi no brilho de seus olhos

Eu vi a primavera florescer

Eu vi o grafite desenhando

Eu vi um mar de peixes se encher.

 

E eu, com tanto carinho,

Escolhido para os apadrinhar

Peço, com fé em Deus,

Para esse amor inocente sempre abençoar.

 

Felicidades a vocês,

Bianca e Marcel

Do infinito ao além

Do mar até o céu.

A criança e o abarjur

Uma criança não pode ver um abarjur que fica ligando e desligando ele. Olha a cara de felicidade da pessoa quando está ligado.