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Primeira vez da vovó no cinema

Entediado de ficar tanto tempo em casa, resolvi levar meu notebook para a casa de minha avó. Naquele tempo, para que pudéssemos acessar o Facebook, era preciso girar uma manivela que ficava do lado de seu fogão a lenha. É claro que não era assim que funcionava. Era preciso colocar a lenha no fogão e acendê-las.

Minha avó estava terminando de assar o quibe. Lembro que ela fazia isso todas as vezes que queria nos agradar. Tudo bem que nenhum dos netos gostava de quibe, ainda mais assado, onde já se viu? Mas minha avó sempre se esquecia. Depois de assado, ela pegava cuidadosamente com todo carinho aqueles quibes e os ia colocando um a um na bandeja. Depois os jogava no lixo. Nem os cachorros de rua os comiam.

Depois que cheguei na casa dela, após abrir um colchete e passar por entre os arames farpados – quem morou na roça sabe a dificuldade de se separar dois arames com uma mão só para passar, enquanto a outra equilibra o notebook como um garçom – e depois de pagar dobrado para o Uber que demorou a entender o caminho, me deparo com minha avó assistindo à novela em que seu principal protagonista era também o ídolo da minha velha – Anselmo Duarte.

Após eu ter explicado a ela que, naquela época, ainda não se havia inventado a TV e ela ter jogado o objeto de 32 polegadas, tela de LED, no lixo, escuto minha avó suspirando, enquanto ouvia o rádio:

— Ai, Anselmo, como você é lindo!

Perguntei a ela se vovô era ator pornô. Ela me deu um olhar de desaprovação. Enquanto nos encarávamos por um tempo e eu tirava a remela em seu olho esquerdo, percebi que havia dito besteira. Então, bati a mão na cara (na minha, que fique bem claro) e corrigi a frase:

— Perdão, vó. Eu estava querendo saber se vovô era gogoboy.

— Esse moço bonito da novela não é seu avô — Curiosamente, o velho também se chamava Anselmo — esse é o Anselmo Duarte. Meu ídolo desde que eu era novinha. Eu lhe assistia nas telas do cinema.

Claro que vovó não falava nesse português tão sofisticado. Minha avó não tinha nem quarta série — era o que ela contava em todo almoço — mas para encurtar um pouco a história, vamos apenas dizer que vovó era uma velha rica, fina e vivia passeando com seu poodle de pelúcia.

— E naquele tempo já existia cinema?

— Ih, qualé, mano? Tá me tirando? Tá me chamando de véia? Véia é sua avó!

Vovó me contava sobre sua primeira vez com o vovô. No cinema. Não, não é isso o que você estava pensando, eles não haviam ido para o cinema para… hum… vocês sabem… eles não foram ver o filme. Naquela época, ainda não existia aplicativo do Cinemark para comprar ingresso. Os ingressos eram todos impressos em papel higiênico para que eles pudessem ser reutilizados.

— A primeira vez que fui a um cinema, fui com o povo da Gioconda. Fomos com os meninos, na matinê de domingo, depois da missa. Fomos em Uberlândia, terrinha boa das Minas Gerais. Era mó delicinha — minha avó fecha os dedos da mão em forma de “coxinha”, beija a ponta dos dedos e depois os abre novamente.

Ela também contava que era esperta no ingresso.

— O povo era bobo naquela época. Eu comprava o ingresso e mostrava na entrada, mas eles não pegavam. Então eu guardava bem guardadinho para ir a uma próxima sessão. Uma pena que o ingresso ficava todo amassado.

— Amassado?

— Sim, eles tentavam arrancar da minha mão a força, mas eu puxava com tudo e ainda derrubava o porteiro. Ah, aquele tempo que era bom.

— E você ficou muito assustada com o filme na primeira vez?

— Ah, sim! Quando o trem vinha pra frente da tela, eu sempre pensava que ele ia me atropelar. Eu só via as pessoas correndo desesperadas.

— E o Anselmo? O que ele fazia no filme?

— Seu avô? Ele ficava dormindo na cadeira.

— Não, vó. O Anselmo Duarte.

— Do que você tá falando, menino?

E foi assim que o quibe, que nem estava mais no fogão, havia se queimado.

Miss you love

Poltrona M-17. Centro. Muitos à frente, tantos atrás. Poltrona solitária em uma fila dominada por jovens. A sala aqui fora, cheia. A sala aqui dentro, vazia. Uma gota na calça.

Na tela, um casal apaixonado, mas eu só vejo um cara no chão, chorando. Esse sou eu, aos pés de tantos apaixonados aqui. Eu deveria estar como eles, no entanto, brigo com a própria dor.

Um milionário me disse uma vez que é preciso saber ganhar o que se almeja ter. Não basta tê-lo. Ele me disse que perdeu toda a sua riqueza, pois não sabia como administrá-la. Era milionário pois tinha tanto dinheiro, mas nunca foi um de verdade, pois não soube mantê-lo por tanto tempo.

E assim fui eu, quando conquistei seu amor. Por um instante, por um sorriso tão maravilhoso e um coração tão bondoso, senti-me milionário. Mas nunca fui. Riqueza essa que jamais fora de posse minha.

Por um instante, mantive em mim o que nunca foi me pertenceu. Por algum tempo, você tentou ficar e me fazer entender que seu sentimento era puro e verdadeiro. O entendimento nunca me veio. Estar ao meu lado era o único motivo que acreditava bastar para havermos o “nós”. O “nós”  que nunca existiu.

Você me amava. Eu não te respeitava. Quem aguenta viver assim? Com certeza, você não! Tão singela partiu e me deixou. A princípio, pensei que fosse qualquer drama seu, mas você nunca mais voltou.

Em algum momento, sei que te fiz chorar. Agora choro, choro pois eu mesmo me fiz chorar. Sinto sua falta. Falta de ser aquele milionário, detentor da riqueza de seu amor.

Agora estou só, sentando nesta poltrona solitária, assistindo a um filme de amor, com um final feliz. Um que eu não tive e nem serei capaz de ter. Sou só eu e a dor. E uma gota tímida em minha calça jeans.